Um ano de papers.
O ano da entrada na UM como assistente, a encontrar mais que a cidade natal: a relação óbvia entre o que fazia (Jogo Dramático, Jogo e Expressão Dramática) e a Criança. E o Instituto de Estudos da Criança.
Uma coisa segue-se à outra e as peças juntam-se: maior interesse pelo jogo, mais descobertas de pontos de contacto entre Teatro-Expressão Dramática-Criança, pelo jogo.
Nisto, a epifania bibliográfica.
(façamos aqui uma pausa, por enquanto, para esclarecer que pelos livros - achados, comprados ao desbarato ou por acidente - tenho aprendido mais que em qualquer escola, onde - reconheçamo-lo - o melhor que me aconteceu foi recolher dicas para encontrar depois os livros certos)
A tal epifania bibliográfica. A coisa de se fazer e consultar bibliografias tem aspectos imprevisíveis e extraordinários. Encontrei um livro. Um livro chamado "Jogos e Rimas Infantis". Estava na biblioteca da cidade em que vivo, de livre acesso. Autor: Adolfo Coelho. Venho a saber que é reedição de 1882 ou 3. Uma maravilha. Ali estava uma flor de recolha de jogos que vinha revelar a teatralidade nas brincadeiras das crianças. Antigo mas extraordinariamente bem recheado. E com isto o interesse pela etnologia, e pelas raízes do que somos (de que a criança é símbolo e o povo é concretização).
Depois desta deu-se mais uma outra revelação, epifanias de fim-de-ano: António Cabral.
Poeta, professor, dramaturgo, romancista, ensaísta e ludólogo. Um admirável português, recente, que estudava o Jogo! E um único senão: com livros esgotados.
A biblioteca - a tal de acesso livre - munia-me de um ou outro, mas o resto (e principal) vim a resgatar das maneira mais inesperadas e sortudas:
Teoria do Jogo (num alfarrabista, no Porto, por entre outros de jogos de mesa e afins)
Jogos Populares Portugueses de jovens e adultos (disponível na biblioteca, mas esgotado fora dela: numa feira ocasional na livraria residente no pólo de Gualtar da UM, a um par de euros)
e o principal
Jogos Populares Infantis (extraviado na biblioteca; numa ida a Lisboa, depois de ter batido todas as livrarias de Porto e Braga, no santo alfarrabista Barateira lá estava nas estantes o único livro sobre jogos populares, e mais que único a falar exclusivamente da criança. Pagaria muito mais que paguei e fiquei eternamente grato a quem mo vendeu)
E com isto se faz um ano bibliográfico, que é a definição de rumos e interesses.
Mas entretanto houve outras coisas.
Houve aulas de expressão dramática dadas a crianças num infantário sedento de espectáculos e bárbaro nos métodos - o que só aguça a necessidade de bem formar quem formará crianças, para que coisas como estas não voltem a acontecer.
Houve o falecimento de Fernando Peixoto, colega da ESAP e pessoa plural que nos faz uma falta enorme.
Houve escolhas e tomadas de partido entre o que era procedente e o que não era, que mais tarde se tornou numa opção entre o que era calhorda e o que não o era.
Houve aulas no Contagiarte, aproximação a um outro tipo de pessoas, com a confirmação de que o jogo é universal e de que Viola Spolin é genial nos seus sempre eficientes Jogos Teatrais.
Houve críticas assinadas por mim a um Portugal obeso que julga atletas olímpicos e é influenciado demais por Futebol; críticas a um Portugal pobre que ergueu os Gato Fedorento a um estatuto que eles diligentemente venderam para publicidade; críticas a criadores de teatro que a Tchékhov fazem fosquinhas e fazem tábua rasa do que possa constar numa história de teatro; críticas a valorizar ou críticas a denunciar (uma crítica é sempre um gesto político, em relação a uma comunidade); e houve a comemoração de um homem imorredoiro, Stanislavski; e outras homenagens, algumas tristemente póstumas, de Luciana Steganno Piccio ou de Viola Spolin.
Houve imensos hiatos de escrita e imensos temas ocorridos que nunca viram publicação.
Houve alguns comentários e a simpática adição aos links de outros blogs mas, em geral, a insólita sensação de estar sozinho. Houve - a par desta última - a situação estranhamente habitual de ser dos poucos a produzir teoria, depois e apesar de solicitar sinergias (que nunca apareceram) de gente de grupos que têem pesquisa no nome.
Houve amargos de boca e, se a Palavra pudesse, teria havido a destruição higiénica de muita coisa: estratégia da terra queimada. Para que tudo pudesse crescer bem, depois.
Houve, fora desta janela, ignorância a rodos, e o mundo continuou a rodar e eu - da segunda cidade do país - no entanto parece que continuo a escrever a partir das Formigas, acompanhado por bibliografias e a contribuir para uma bibliografia. Uma existência de papel.
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Wednesday, December 31, 2008
Este ano
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