Há quase um ano escrevia o que abaixo transcrevo; dizia-me cansado e que o meu balanço era de uma grande inutilidade. Depois desse desabafo deu-me um remorso qualquer, desconvenci-me e prolonguei ingenuamente o que lhe dera origem. Obviamente em vão.
Agora não só digo o mesmo como acrescento: saiu-me do corpinho e estou desiludido.
O meu trabalho foi sendo furado, e a paciência esgota-se-me com frivolidades na sala de aula.
Portanto, mudo de freguesia e vou pregar para outra.
Agora mudo-me, e conto estar muito mais aqui, a fazer e não a convencer para que se faça. É que a mim ninguém precisou de convencer. Isso simplesmente nunca foi necessário.
Nuno Meireles
O fim do pastoreio
Dou aulas regularmente há sete anos, pouco mais ou menos. Os sete anos que Jacob serviu de pastor, por amor a Raquel. Antes disso recebi-as. Fiz um curso de formação de actores quando a escola se estava a formar e com ela formei-me (ou formaram-me) também. Deu lastro, alguns nomes que fiquei a conhecer, duas e meia experiências positivas de crescimento e de resto uma gigantesca falência que procurei suprir em mim como actor nos anos que se lhe seguiram. Até aos dias de hoje.
Quando comecei a dar aulas perseguiu-me a ideia de fraude e desconsolo artistico e técnico que senti e sentia. Procurei literalmente dar o que tinha descoberto que não me tinham dado. Edipianamente procurava resolver a história, sendo atormentado por ela.
Sete anos passaram em que pastoreei muitas ovelhas, alunos candidatos a actores. Pastoreei muitas projecções de mim mesmo que começava a estudar. Foram estes anos todos e no meu balanço foram anos inúteis. Por duas razões:
porque eu estava errado cosmicamente, dado que a minha experiência passou e agora sou o que sou, com a minha construção
porque de facto, proporcionalmente, o que resultou destes anos de magistério não é conta justa
Neste esforço de pastor criei este blogue, que servia para falar de coisas num local onde ninguém fala de coisa nenhuma. Ninguém quer de facto saber. Itália, USA/UK, Espanha têm traduções do Stanislavski e do Meierhold e nós estamos na idade da pedra. Ninguém quer saber. Os meus alunos não sabem que há uma biblioteca na sua escola e aqui eu pertenço a outro mundo. Ninguém aqui faz ideia do que é training, nem há nenhum (outro) português que frequente as formações de Guennadi Bogdanov que, com sete ou catorze anos a mais depois da minha formação vos digo que é muito superior a qualquer escola de teatro e eu conheço-as. Nada resultou como deveria. As aulas sairam furadas: se há alunos que falsificam presenças então não vale a pena falar de ética no teatro ou de training, se há alunos que faltam e estão na rua ou no café ou no facebook, então eu estou e estive a dar pérolas a porcos. Com uma agravante: o sonho do pastor.
O pastor conduz, mas não é conduzido (- em termos gerais, é claro). Para que os outros se alimentem, ele está atento e procura - para os outros. Não para si. Durante estes anos fi-lo em deterimento de um actor: eu próprio.
Agora, que concluo pelo fracasso que é também o fim das ilusões, concluo que esta fase, este propósito, este edipianismo, a escola que eu carregava, o deterimento de mim como actor, a exigência e até o choque, acabaram.
Este blogue não terá continuação. É agora, para mim, tão inútil como o esforço e o ideal que lhe deram origem.
Esta posição em relação ao mundo (divulgação, promoção, estímulo, produção e reflexão sobre as coisas teatrais) acabou. Assim como acaba e se conclui em breve a minha posição ou função em relação à formação do actor. Pretendo fazer disto algo muito menos regular, e muito menos presente. Estou cansado de ser pastor, falei demais, dei demais, esperei demais. E esqueci-me de mim, neste processo. Este tempo agora, necessariamente, acabou. Dei aliás o que tinha arranjado para mim, e fiquei sem nada. Agora é juntar o que tenha e dar essa atenção a mim, como criador.
De textos teóricos conto concluir a tese de doutoramento em preparação sobre uma experiência exemplar por que passei.
De resto despeço-me da terra dos sonhos. Agora é a minha vez de concretizar plenamente o meu sonho. Já sem passados estranhos ou futuros ideiais, só o momento presente em que Jacob corre para Raquel.
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Friday, February 10, 2012
Conclusão e mudança
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