Num campo de futebol, no meio de uma repreensão, um jogador aproxima-se do árbitro e esmurra-o. A regra do jogo foi quebrada e instala-se o caos.
A regra do jogo não é apenas uma regra qualquer, é a trave mestra que impede que tudo caia, é o dique que impede o dilúvio; é o que impede a barbárie.
Não somos bárbaros porque existem regras que respeitamos. São as regras do jogo. Vão desde o mais simples (jogar futebol é com os pés e com as mãos já não vale) até ao mais complexo (o árbitro tem poder decisório inquestionável dentro do campo). Quebrando a regra quebra-se o jogo, a convenção. Uma quase convenção de Genebra.
O grande problema de quebrar regras é que isso funciona (como obedecê-las) para os dois lados: o árbitro esmurrado deixará de ter que obedecer à regra que o impede de esmurrar jogadores.
O mesmo acontece numa sala de aula que serve para um propósito apenas e tem as suas funções e hierarquias bem definidas. Um professor sabe mais que um aluno, um professor tem mais poder que um aluno, um professor manda mais que um aluno: um professor ensina e um aluno aprende. Ponto final. E é assim porque é assim, tão simples e inquestionável como qualquer outra regra, de qualquer jogo. É isto que define este jogo, este relacionamento.
E, como em qualquer jogo, ao entrar numa sala de aula (como num campo de jogo, como abrindo um tabuleiro, como servindo cartas) estamos a afirmar constantemente que aceitamos jogar segundo estas regras.
Um aluno que agride um professor (física, verbal, psicologicamente) é um jogador que se expulsou a si mesmo. É um infeliz que abre a caixa de Pandora e permite que sobre si venham os males da barbárie e se lhe faça tudo o que "não vale" fazer. É um ingénuo que desconhece que do outro lado as mesmas regras que quebrou mantém na civilidade o que é turbulento por dentro.
As regras são leis. Funcionamos segundo leis, inscritas ou não no código de direito civil e criminal. Funcionamos todos segundo as mesmas leis porque isso faz de nós iguais. Os nossos lugares no jogo é que são diferentes consoante uma série de skills que vamos adquirindo; mas jogamos segundo as mesmas regras, nos postos, nas posições, nos papeis, nas funções que vamos conquistando.
Um guarda-redes defende a baliza e pode pegar na bola com as mãos, um árbitro regula o jogo mas não pode interferir nele. Não podem trocar de lugares em campo. Podem isso sim fazer formação e treinar para jogar na função do outro, algum tempo depois, ou no Carnaval que é quando as regras são invertidas, a brincar, para todos também.
Nota: Por exemplo Não matarás não vem com condicional. É uma proibição e ponto. É uma regra. É a regra.
Home » Archives for March 2008
Monday, March 24, 2008
Quando se quebram as regras do jogo
Saturday, March 15, 2008
Expressão Dramática como desporto emocional
Não haverá equivalente à expressão dramática para percorrer toda a gama emocional de alguém, do susto à alegria, da fúria ao carinho.
Não haverá equivalente em percorrer-lhe as veredas interiores, da sua vontade, receio ou dificuldade em agir, dos seus conflitos consigo própria e com outros; da sua capacidade de lidar com todo o anterior e resolver problemas (que radicam em si mesma) no momento.
Não haverá equivalente porque o meio aqui é a própria pessoa e a sua vivência ao vivo, activa, em que se pratica situações que não são reais (porque fantasiosas, mas de uma fantasia em que aceitamos de bom grado operar) e poêm a descoberto o que há de real dentro de cada um, do receio à agressividade.
Diz-se que se conhece alguém à mesa e no jogo (a comer e a jogar). Se omitirmos daqui o comer, só poderemos dizer (em relação à expressão dramática, grande experiência em jogo) Nem mais!
Thursday, March 13, 2008
confusão entre desejos
Existe uma confusão entre desejos.
Há quem tenha o desejo de teatro (entendamo-lo como tão bem o pôs Isabel Alves Costa no seu livro sobre as primeiras formas teatrais da criança) e há quem tenha o desejo de jogar dramaticamente. Os dois são legítimos mas os dois são antagónicos.
Desejar brincar e mexer e falar com outros não é o mesmo que desejar fazer, construir e mostrar teatro. Há uma diferença que resulta numa pequena colisão. Coisa difícil de esclarecer e fonte de equívocos grandes em cursos, formações, grupos, e até carreiras profissionais.
Há que distinguir o que se deseja: fazer teatro é a construção de algo, que se procura que tenha sentido para quem vê e não somente para nós; jogar dramaticamente é algo que não só não implica uma construção como a exclui, é o momento que se procura que tenha sentido apenas para nós.
Grupos juntam-se sem terem em conta este equívoco e numa mesma sala podem estar pessoas movidas pelo desejo de representar, de comunicar uma situação, e outras que se orientam pelo gozo de jogarem, no momento.
Ainda que o jogo seja o nosso cavalo de batalha, não se poderá advogar o jogo dramático quando este é fonte de engano. Um grupo de teatro terá que se definir pelo seu desejo de teatro, de comunicar uma realidade a outrém. Uma aula, uma classe, poderá muito mais facilmente definir-se pelo seu contrário, pela experiência conjunta entre os seus membros. Os dois, ao mesmo tempo, não são possíveis.
Resta a questão Que desejo nos move?
Do mesmo modo que nos juntamos - conforme o nosso desejo - a um grupo de jogging de fim-de-semana ou a um clube federado com treinos diários, o desejo e os fins (e os meios*) são radicalmente diferentes.
*É óbvio que o investimento feito por um atleta (profissional ou amador) de preparação, alimentação, hábitos e informação são o equivalente ao investimento de um actor (profissional ou amador) na sua preparação do texto, nos seus hábitos, no seu estudo das acções e objectivos e alimentação da imaginação.
Tuesday, March 4, 2008
Jogo dramático espontâneo
Jogo dramático espontâneo (ou seja a vontade de fazer-de-conta por si só, sem que seja para alguém, mas antes com alguém) é, por exemplo, dar-se um pedaço de algodão a uma criança e ela pô-lo no braço para curar um doi-doi.
É esta mistura de imitação do que ela vê com a vontade de brincar que é o jogo dramático espontâneo: é um pedaço de algodão dar para várias crianças porem algodão nos braços e se deitarem como se estivessem doentes, e agirem depois como num pequeno hospital.
Então qual deve ser o papel do adulto-professor nestas circunstâncias?
O de facilitador, que procede como a criança, dentro da fantasia, de modo a haver mais fantasia.
É que um algodão pode dar um hospital.
Saturday, March 1, 2008
Diário do Jogo 4
Diário do Jogo é uma rubrica do percurso e acontecimento do Jogo observado na vida de todos os dias. Refere-se sempre ao dia que passou.
Tarde
- adolescentes de t-shirt ao sol de fins de Fevereiro a jogar à bola numa praceta com a bola a ir ter com os carros
Fim da tarde
- menina criança a descer a rua com os braços estendidos de lado em passinhos pequeninos, numa dança
Noite
- jovem rufia de capuz a chutar pedaço de lixo rua acima, ora com um pé ora com outro, com a parte de fora do pé como os futebolistas
Madrugada
- três skaters numa praça a saltarem para cima de muro e a - obviamente - fazerem-no à vez para o mostrar aos outros
