Friday, February 18, 2011

O Mau Espectador

O mau espectador é o contrário do bom espectador: é um mau interlocutor. Fora outras apreciações de inteligência e compreensão de rituais, é alguém que não reune em si o mínimo de educação para estar frente a outra pessoa que lhe fala. O mau espectador não sabe ouvir, ou estar calado, não sabe dar o seu olhar. E muitas vezes não sabe desligar o telemóvel, a boca ou as nervosas mãos. O mau espectador não devia estar ali, é um acidente, é muito provalmente um apanhado desprevenido, ou um snob que acha cultural estar frente a um actor.

Um mau espectador é um desperdício. Fazemos coisas para ele com um misto de piedade e repugnância. O mau espectador mete nojo e, quanto mais fundo entramos em nós para o dar ao outro, mais nojo nos mete pois é um desperdício.

Já vi maus espectadores entre tudo que é ser humano e, digo-vos, tive melhores ouvidos e atenção entre rufias que entre pretensiosos promotores culturais, em que a mais elementar educação falta, a educação do silêncio.

Bares e sua relação perigosa com o teatro

Um bar, mesmo que esteja disfarçado de outra coisa, como uma associação cultural, é um perigo para um actor que queira fazer teatro. Os bares querem facturar e fazem-no vendendo bebidas e produtos de bar. Onde há cervejas não pode haver teatro. É uma lei incontornável. A super-bock faz um tilim na caixa-registadora que as palavras do actor não fazem. Frente ao lucro de uma bebida vendida tudo se subalterniza, até a dignidade:

- num conhecido bar situado no Castêlo da Maia fui fazer um espectáculo, como os espectadores fumavam na sala pedi ao fulano gerente que o não fizessem pois perdera a voz durante a representação à conta disso, mas não se podia pedir isso aos clientes, disse o rotundo gerente porque senão não iriam ver

- num outro bar situado na Nossa Senhora de Fátima, onde fui dizer poesia (várias vezes), a funcionária que atendia as mesas fazia toc toc com os seus saltos servidno, perguntando o que cada um queria consumir, quando a razão de as pessoas estarem ali era tapada pela sua figura indo e vindo.

É claro que este assunto já o tinha abordado, mas repito-me pois repetem-se as indignidades: onde quer que haja uma cerveja não pode haver arte.

O actor-produtor

A produção é outro domínio que o do actor. Por muitas razões (e todas elas económicas) muitos actores tornam-se produtores, acabando por passar muito mais tempo a uma secretária que num palco. Esta é a morte de um actor:

- o raciocinio, a relação de poder com os outros, as coisas, e os acontecimentos que são necessários para a produção são completamenta e diametralmente diferentes do trabalho do actor. Num dá-se o corpo e no outro dá-se negociação. Um é arte e o outro não.

- é uma tentação fazê-lo e ficar na produção, envolve decisões e muito menos ritual e desapego que o trabalho do actor. E não é uma arte.


Acontece que muitos actores se tornam produtores a tempo inteiro. Menos um actor. Mais um telefone manejado habilmente, mais alguém que faz folhas de trabalho e adeus sonhos de criação.

Portanto, se o meu caro leitor for por acaso um actor em vias de produzir por exemplo a sua peça:
os cartazes, os contactos, o press-release, os convites, o aluguer do material, do espaço NÃO vão fazer o espectáculo, NÃO vão criar. Só lá estão para ajudar.

Fuja da produção, feche o computador e vá criar.

O Bom Espectador

Precisamos de bons espectadores: e o que é um bom espectador?

É um bom interlocutor. Não fala mas acompanha, assenta ou surpreende-se e está lá para isso, o seu peito está tão aberto quanto o nosso (dos actores); não move mas apoia. O seu olhar não descola e os seus ouvidos estão lá para nós. Quer ser tocado quando queremos (os actores) tocar. Ou seja, quer que o seu coração seja mexido, que tenha um estremecimento, enquanto nós (os actores) queremos estremecer, queremos que a nossa arte comova alguém, e que esse alguém esteja lá para ser comovido.

Com bons espectadores fazemos bons momentos, por isso agradeço há algum tempo aos espectadores que estão ali a receber o que estou a fazer. Agradeço aos que estão de facto a receber. Aos outros faço-lhes uma figa.

 

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