Wednesday, February 20, 2008

ABBADON

Estamos em guerra. A verdade é que estamos em guerra.

Estamos em guerra com o simples facto de serem não os vencedores mas sim os burgueses que escrevem a história do nosso tempo. Ou antes, que se inscrevem na história, como se fosse por pacotes ou acções ou comparticipações. Estamos em guerra com a burguesia. Estamos em guerra com a falta de mérito, estamos em guerra com a falácia, com o embuste, com a ignorância encapotada de cultura. Estamos em guerra com o grande choque entre o que se diz e o que se faz; estamos em guerra com quem tem dinheiro, e estamos em guerra com quem se lamuria de não o ter; estamos em guerra com todo o baby boom de criadores auto-fecundados em geração espontânea, para quem a arte começou agora e com eles; estamos em guerra com o meu estilo, os este vai ser um projecto transversal, os pluris isto e pluris aquilo; estamos em guerra com carradas de gente que até mete impressão.

Estamos em guerra e isto não é brincadeira. Estamos em guerra e, como estamos em guerra, a única coisa que podemos fazer é servir-nos ou de uma grande raiva ou de um grande amor. Ou de um ou de outro. Às vezes dos dois. Muito raramente dos dois.

Estamos em guerra e Abbadon é uma peça que está num dos lados das trincheiras. Está no lado em que ninguém quer estar. Não está nas folhas de serviço ou de pagamento de lado nenhum, não está senão na trincheira onde mora a tenacidade. Está com a guerrilha. Isto se Abbadon não for, afinal, a própria guerrilha. Algures, escondidos dos olhares das gentes, sem desistir nunca.

Conta-se que os guerrilheiros vietnamitas, nos ataques a alvos americanos, para passar por arame farpado não usavam camisa pois isso os prenderia, atrasaria. Preferiam ferir a carne. Abbadon está neste plano. Prefere ferir a própria carne para chegar aonde quer.

Esta peça, por ser tudo o que não se vê hoje em dia, é tudo o que faz a diferença, é uma ponta de lança no terreno pantanoso de ignorância - e às vezes ignomínia - em que estamos. Não há esperança nenhuma que isto melhore, pelo contrário. Mas pode haver fé. E Abbadon é um renovar da fé no teatro. Um sólido, forte, rigoroso manifesto de fé, de raiva, de humor, de técnica, de sobrevivência.

Abbadon é uma peça feita por uma actriz só. Mas Abbadon não é apenas uma peça feita por uma actriz só, é outra coisa. Porque tem construção em cada momento; porque tem, ao contrário de desleixo, rigor físico; ao contrário de auto complacência, determinação; ao contrário de vamos experimentar uma ideia que tou a ter, exercício pleno das possibilidades do corpo, da voz, da emoção e da imaginação de uma actriz.

Não é uma peça fácil mas há alguma outra peça que seja tão exigente para com o público por o ser consigo mesma?

Enfim, uma peça a sério. Uma peça em que a iconoclastia e a escatologia ombreiam com a auto exigência; em que o esforço não compactua com o masoquismo; em que há justeza de proporções em todos os momentos, tão cruamente apresentados, próximos, chocantes, mas nunca gratuitos. Porque Abbadon vende-se muito caro.

Enfim uma peça em que o humor e o sarcasmo estão lado a lado de uma construção, de uma verdadeira resposta ao mundo. Finalmente uma franqueza de emoções, ao lado de um enorme mosaico de recordações, invocações e situações fragmentadas de que o texto fala. Enfim uma peça que não fala senão numa torrente de palavras, que é o tema e ao mesmo tempo parte do discurso contínuo que vai acontecendo. Discurso de corpo, discurso de voz, discurso do texto, discurso da emoção, tudo às vezes junto e às vezes separado, paralelo, como numa polifonia, como numa auto-estrada com as suas várias vias, tudo a andar muito depressa, muito forte, muito urgente, muito a saber precisamente para onde vai. Por baixo por cima e por todos os lados de qualquer arame farpado, dentro e fora da actriz.

ABBADON
Criação e Direcção: Hugo Calhim Cristovão
Criação e Interpretação: Paula Cepeda Rodrigues
Texto original de: Hugo Calhim Cristovão
Assistência e colaboração: Joana von Mayer Trindade
Uma criação NuIsIs ZoBoP

Visto a 16 de Fevereiro
Contagiarte - Espaço de sensibilização, formação e dinâmica culturais
Porto
22.30
Estúdio 3

http://www.myspace.com/issnuisiszobop

http://nuisiszobop.blogspot.com/

Monday, February 18, 2008

Diário do Jogo 3

Diário do Jogo é uma rubrica do percurso e acontecimento do Jogo observado na vida de todos os dias. Refere-se sempre ao dia que passou.

Manhã

- três rapazes ciclistas de todo o terreno pedalando divertidos e depressa passeio e rua fora

- rapariguinha gorduchinha corre com irmã ainda mais pequena pelo museu fora, até a mais pequena tombar e insistir em ficar no chão

- namorado corre provocadoramente à frente da namorada entre mecos do passeio, como que a apressar o passo imitando jogging

- três adolescentes no passeio correm atrás uns dos outros em Apanhada até que um perde o fôlego e pede para parar

Tarde

- mais ciclistas: casal totalmente equipado com licras, capacetes, mochilas compactas e impermeáveis ou casacos térmicos está parado no passeio a combinar qualquer coisa

- miúdos de bicicleta ora no passeio ora no asfalto a irem para onde havia mais animação na rua, para as roullotes que muniam o público da procissão

Thursday, February 14, 2008

Mecanizações corporais e revolução

Augusto Boal, encenador, escritor e teórico de teatro, brasileiro de nascença e cidadão do mundo de resto, fala-nos de mecanizações do corpo e também nos fala em mudar o mundo, ou inventar um mundo melhor.

Fala-nos disto no seu livro Jogos para atores e não-atores (que por sua vez é muitos livros dadas as suas sucessivas revisões e edições e anos acumulados de experiências) e considera ele importante que percebamos as mecanizações do nosso corpo e que percebamos outros modos de mover e fazer o que fazemos (ou seja, outros modos de viver).

Coisa esta que liga muito bem com a sua ideia de teatro que muda o mundo. Mudar um corpo e as suas maneiras habituais (tensões, ritmos, formas) é mudar alguém: a primeira etapa para se mudar o mundo. Profundamente revolucionário, porque percebemos que a ditadura começa em nós, na nossa maneira sempre a mesma de ser e agir e agir sobre nós e o mundo.

A verdade é que nos condicionamos. A verdade é também que a liberdade (que começará por liberdade de movimentar, logo de sentir, logo de pensar e logo tudo o resto, mas renovado) começa por nós. E assim como dizia o citado graffiti das paredes de Paris em Maio de 1968 "Encontrámos o inimigo/o inimigo está entre nós/o inimigo somos nós" então nós, o nosso primeiro inimigo, percebemos que também poderemos ser o primeiro degrau de uma revolução.

Monday, February 11, 2008

O esforço e o prazer

Trabalho e brincadeira parecem opôr-se.

Quando dizemos a alguém que está na altura de trabalhar, isso costuma significar entrar num outro período, distinto da brincadeira, um tempo em que se será sério e se procederá com gravidade (e não com a ligeireza da brincadeira) ao que há que fazer.

- Deixem-se de brincadeiras! Toca a trabalhar!

Ora bem, a oposição que existe entre trabalho e brincadeira parece ser a mesma que existe entre esforço e prazer. O trabalho é coisa séria, exige esforço, é construtivo e útil. Deixemos o prazer para os períodos de descanso, de brincadeira, onde já não seremos sérios mas ligeiros e já nada terá que ser útil ou construtivo.

O lúdico realmente assenta no facto de não ser útil, ou antes, de não ter nenhuma utilidade além do prazer que dá, o que elimina as utilidades (ou utilizações) sociais, psicológicas, e etc...

No entanto, paradoxalmente, conseguimos exercer, executar ou pôr em marcha grande quantidade de esforço ou esforços (motores, mentais, etc.) quando está presente o lúdico.

Não serão os dois afinal oponíveis, mas complementares:

- Quantas vezes não dançámos até de madrugada, numa discoteca, esquecendo por completo a fadiga e o facto de que estávamos em actividade psico-motora durante horas seguidas?

- Quantas vezes não conversámos durante uma noite, numa festa, e não cansámos nem a voz, nem o fôlego, nem a vontade de falar, esquecendo-nos o muito que estávamos a exigir do nosso aparelho fonador?

- Quantas vezes não jogámos à bola até escurecer, esquecendo por completo - além da fadiga e do fôlego - a coordenação motora que dizíamos não ter, em outras ocasiões?

- Quantas vezes não brincámos às lutas, rebolando por cima de coisas, de ervas e paralelos da rua, esquecendo por completo a nossa aparente falta de habilidade acrobática?

- Quantas vezes, portanto, à conta de brincadeira, não ultrapassámos nós os nossos limites de capacidades e, inclusivamente, o próprio esforço trabalhando (no nosso caso, as ferramentas que carregamos connosco) intensa e eficientemente?

- Quantas vezes não fomos atrás de interesses nossos, de curiosidades, e demos por nós num complexo processo de pesquisa em que nunca desconfiariamos estar? (A leitura sôfrega de extensos manuais de jogos por parte de crianças é disto tudo um belíssimo exemplo.)

E porque é que tudo isto acontece? A resposta parece ser apenas uma:
Porque nos estávamos a divertir.
Prazer.

Workshop de teatro/expressão dramática na DSPACE


Workshop de teatro/expressão dramática
com Nuno Meireles

15, 16, 22 e 23 de Fevereiro
(15 e 22 das 19.30 às 21.30; 16 e 23 das 16h às 18h)








Este é um workshop para quem gosta de jogar.
É um workshop para quem quer desenferrujar a
expressividade do corpo, explorar o movimento e a
consciência de si, a respiração e a voz, onde é a
descoberta que interessa.
Isto numa primeira parte.
Este é também um workshop para quem quer trabalhar a
comunicação com uma plateia, de situações e acções, de
pôr em prática a imaginação a resolver tarefas e jogos
teatrais, onde o que importa é a eficiência da
comunicação. Esta será a segunda e última parte.

Local
dspace - escola de dança

Rua Brito e Cunha 56
Matosinhos

Inscrição
40 euros
+ info
229397633 * 918155958

 

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