Porque, assim como quando vamos viver para um país estrangeiro nós aprendemos a sua língua de modo a termos orientação, alguém que vai viver no país das maravilhas que é o lado livre das crianças terá que aprender a orientar-se nessas ruelas inventadas, ilógicas, que funcionam não sob as leis da física ou do direito, mas sob as leis do jogo que - como todos os jogos - quer ser perpetuado.
Em Roma sê Romano.
Quem não sabe jogar não sabe ajudar a jogar.
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Tuesday, May 27, 2008
Porquê expressão dramática para educadores de infância?
Sunday, May 25, 2008
Gato por Lebre na expressão dramática para crianças
Existe toda uma cultura de engano no que diz respeito à expressão dramática para crianças, às aulas e às suas apresentações públicas que importa abordar:
1.
Uma aula não é um ensaio de uma peça de teatro;
um processo de aprendizagem não é um processo de ensaio de uma peça de teatro;
um processo não se pode confundir com um resultado;
o resultado de aulas está no que modificou quem as fez, e não na construção de uma obra artística;
as obras artísticas são construídas em processos artísticos;
as peças de teatro são construídas por actores e só conseguimos ser actores a partir de certa idade e desenvolvimento;
um aluno de expressão dramática é um aluno de expressão dramática, não um actor;
uma criança aluna de expressão dramática é uma criança aluna de expressão dramática, não um actor, e muito menos um adulto actor.
2.
Uma formação em expressão dramática com crianças não é uma escola de actores pois
- uma criança não maneja (o termo é este e não "entende" ou "compreende") ainda o fazer de algo fantasioso para alguém;
- uma criança está ainda a descobrir o fazer de algo fantasioso para si e para outros que fazem para ela;
- uma criança está na descoberta da sua expressão e dos seus temas, e não ainda na expressão dos outros e dos temas dos outros;
- uma criança não é um actor, é uma criança.
3.
Pensar que uma criança possa fazer, SEM DEVASSA, apresentações públicas como fazem os actores, é enganar-se a si mesmo ou, pior ainda, querer enganar outros.
Pensar que fará bem a uma criança ir para um palco representar quando ainda deveria estar numa sala a jogar consigo e com as outras crianças é DEVASSA.
Quando forçamos alguém a uma exposição isso é DEVASSA.
DEVASSA está tão longe de jogar dramaticamente como o prazer está longe da sensação de ridículo.
A auto-pressão das instituições de formação em apresentar resultados sob a forma de espectáculos é um traço paranóide.
O resultado do crescimento é o crescimento. Se não se conseguir ver de fora, recomenda-se que se procure melhor.
4.
No respeitante a apresentações teatrais com crianças temos duas alternativas:
a) fazer-se apresentações e acontecer DEVASSA
b) não fazer apresentação nenhuma e deixar-se a criança fazer o seu jogo dramático*
Sendo que a hipótese a) colide com a b);
sendo que forçar alguém a fazer seja o que for estraga qualquer outra relação pedagógica anterior;
sendo que a única maneira de se forçar alguém a fazer alguma coisa é pela opressão e a opressão é o contrário da liberdade e esta é o objectivo de qualquer formação.
5.
Sendo assim, a única conclusão é esta:
Adultos saudáveis - se quiserem que sejam saudáveis as crianças que são vossas ou estão a vosso cargo
Não aceitem gato por lebre;
Digam não às apresentações, aos saraus, às festas de fim de ano, às pecinhas de teatro da sala, aos bambini amestrati, aos meninos bem comportados a fazerem coisas feitas para adultos, por adultos, segundo lógica e fantasia de adultos;
Digam não à desonestidade disto tudo, ao marketing e à ilusão de vermos uma criança fazer coisas que parecem teatro só porque se está num teatro;
Digam não à ideia tola de serem os adultos a dizer a uma criança como deve criar e o que deve criar, quando é ela a melhor especialista nisso;
Digam não a toda a insensibilidade e ignorância do que é sensível e criativo no mundo e atentem nas invenções e brincadeiras das vossas crianças;
Reparem que todo o teatro está na brincadeira das crianças - ali, toda a beleza está ali, toda a fantasia, mesmo à espera - não de ser mostrada a um público- mas de cooperação, de contracena vossa, do vosso estímulo;
Recordem-se que um jogo, uma brincadeira, funcionará sempre enquanto todos brincarem, sejam adultos ou crianças. E é tão fácil um adulto entrar numa brincadeira de criança, basta perguntar o que é isto ou aquilo e aceitar a resposta, qualquer que seja;
Lembrem-se por fim que é infinitamente mais nobre ser aceite numa brincadeira e ajudá-la a crescer do que dez mil apresentações de meninos domados a irem para a esquerda e direita.
* Que é privado, é jogo, não tem nenhuma finalidade senão o prazer de se brincar.
Tuesday, May 6, 2008
Cortejo e Carnaval
Nesta altura do ano acontece um segundo carnaval, mas um especializado, ou antes, de especialidade. A sua especialidade é ser feito por estudantes.
Os estudantes mascaram-se, fabricam um carro alegórico, e partem em desfile pela cidade fora, num excesso voluntário típico do carnaval.
O carnaval é, por excelência, a festa do disfarce e do excesso. Ou seja, do simulacro e do transe.
O carnaval é uma mistura colossal entre os dois géneros de jogo. É colectivo, e de um grande colectivo. Não se circunscreve a uma sala, a uma casa ou sequer a um bairro: são cidades inteiras, de todas as idades, sexos e condições sociais, que se movem vestidos de fantasias e experimentam (em faz-de-conta) a infracção das regras sociais.
O cortejo dos estudantes é em tudo semelhante, mas com algumas particularidades: há também fantasias, há também infracção simulada de regras e também há a procura do transe.
Mas, como é especializado (afinal de contas é o carnaval de uma classe), existe
- uma uniformização nas fantasias (ou fato e capa, ou chapéu e bengala ou, para as personagens dos caloiros, roupa mais variada mas igualmente uniforme...);
- a simulação, já não com outros (como no carnaval a sério), mas para outros (o público do cortejo: pais, amigos, outros estudantes, cidade em geral...);
- a infracção/destruição das regras de que não são suporte (como no carnaval da comunidade) mas beneficiários (a própria instituição de ensino, o ensino em geral...).
Resta por fim a característica de válvula de escape do carnaval: para que tudo volte a ser o mesmo permite-se um excesso regular. Pelo jogo já se vivenciou uma resposta aos conflitos.
A vida, para esta classe, pode continuar.
Friday, May 2, 2008
Quando o jogo falha (na sala de aula)
Há alturas em que - admitamo-lo - os jogos propostos não funcionam. O grupo distrai-se com elementos secundários da situação, ri-se, comenta e... não joga.
O que se passa?
O jogo talvez tenha sido dado muito cedo, ou mal explicado, ou pobremente conduzido (ou então - mais propriamente - induzido). Como um motor o jogo não pegou e agora está a atravancar toda aquela estrada de indivíduos com energia gasta em apitadelas e comoção.
Que fazer?
Como um jogo não pode ser compulsivo e não se lhe pode dizer deve ser assim ou outrossim, lançamos a toalha (como no boxe quando se admite ter perdido e se quer ficar por ali antes que as coisas fiquem feias), evitamos que seja pela força que o jogo prossiga (na espectativa enaganadora de que ainda pode vir a resultar), temos paciência, anotamos a falha e os sintomas, e preparamos melhor o grupo para o que se segue.
É que quando um jogo falha sistematicamente é o jogo que falha, não o jogador.
