
Conclui-se este fim de semana o Curso em que tenho colaborado:
estes cinco intensos meses chegam agora ao seu justo fim que é a apresentação pública e, espectador parcial que sou, é orgulhoso do nosso resultado que vos convido a serem os olhos e ouvidos para quem estes actores durante três dias acenderão a boca, as mãos e os pés.
Nuno Meireles
"O Actor Acende a Boca - Gota de Mel"
sobre textos de Léon Chancerel, Herberto Helder, Manuel Alegre, Eduardo De Filippo, Gastão Cruz e Sérgio Godinho
Adaptação/Direcção Geral: Júlio Cardoso
Assistência de Direcção: Nuno Meireles
Exercício final do Curso Intensivo de Iniciação Teatral da Seiva Trupe, em Co-produção com o Cine-Teatro Constantino Nery, em Matosinhos
sexta 29 (21.30h)
sábado 30 (21.30h)
e domingo 31 (16h)
bilhetes a 5 euros
duração aproximada: 1.30h
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Saturday, May 30, 2009
Exercício final do Curso Intensivo de Iniciação Teatral da Seiva Trupe
Saturday, May 23, 2009
O crime exemplar não é atirar o retardatário para debaixo de um eléctrico, é o retardatário sorrir à chegada
"Estava um frio danado. Ele marcara-me encontro às sete e um quarto na esquina da Venustiano Carranza com a San Juan de Letran. Não faço parte dessas pessoas absurdas que adoram os relógios e os veneram como a divindades indestrutíveis. Sei perfeitamente que o tempo é elástico e que se nos dizem sete e um quarto, isso pode significar sete e meia. Aliás, tenho um espírito largo e sempre fui tolerante, um liberal da velha guarda. No entanto, há coisas que nem mesmo um liberal como eu poderá alguma vez aceitar. Que eu chegue à hora aos encontros não obriga os outros a fazer o mesmo, mas isto só até certo ponto, e concordarão comigo que esse ponto existe. Já disse que estava um frio horrível e que nesse cruzamento do diabo soprava uma ventania impossível. Sete e meia, vinte para as oito, dez para as oito, oito horas. É perfeitamente lógico que me pergunte porque é que não me fui embora. É simples: sou um homem de palavra, um pouco antiquado se prefere. Quando decido fazer uma coisa, faço-a. Heitor tinha-me marcado encontro para as sete e um quarto, e nunca me teria passado pela cabeça faltar a esse encontro. Oito e um quarto, oito e vinte, oito e vinte e cinco, oito e meia e Heitor nada.
Estava completamente gelado: doíam-me os pés, as mãos, o peito e os cabelos. Na realidade, se tivesse vestido o meu sobretudo castanho, talvez isto não tivesse acontecido. Mas os desígnios do destino são misteriosos; asseguro-lhe que às três da tarde, quando saí de casa, nada fazia prever a ventania que se levantou. Vinte e cinco para as nove, vinte para as nove, um quarto para as nove. Estava enregelado e roxo. Ele chegou às dez para as nove: calmamente, sorridente e satisfeito. Trazia vestido o seu sobretudo cinzento e as luvas forradas. E assim, sem mais nem menos, saudou:
— Olá! Estás bom?
Não pude deixar de o fazer, empurrei-o para debaixo do eléctrico que ia a passar."
in Crimes exemplares, de Max Aub, tradução de Jorge Lima Alves, Antígona, pp. 57-58
Agora imaginem que isto se passa num ensaio, sem eléctricos à mão.
Thursday, May 21, 2009
O absentismo
O que dá cabo do teatro, em especial do amador, não é a incapacidade ou a limitação, mas o absentismo, esse sempre tenebroso absentismo. Não há nada que possa arruinar melhor um ensaio que uma falta, e não há nada que possa aruinar melhor uma produção que uma sucessão de faltas. Ou atrasos, que são faltas às prestações.
"Acordei tarde no dia seguinte. Quando cheguei ao teatro já toda a gente estava à espera na sala de ensaios. Fiquei tão embaraçado que, em vez de pedir desculpa, disse unicamente:— «Parece-me que cheguei um pouco atrasado». O assistente do director, Rakhmanov, lançou-me um longo olhar torvo e disse finalmente:
— Estamos fartos de esperar por si! Estamos todos enervados e sob tensão, e tudo o que encontra para dizer é que lhe parece que chegou um pouco tarde!... Chegámos aqui cheios de entusiasmo, prontos para começar, e agora, por sua causa, ninguém já tem vontade de trabalhar. Ë difícil fazer despertar a inspiração criadora mas destruí-la é extremamente fácil. O seu próprio trabalho depende unicamente de si, mas não tem o direito de dificultar o trabalho dos seus camaradas. O actor, como o soldado, tem de submeter-se a uma disciplina de ferro.
Apesar das minhas desculpas, Rakhmanov decidiu acabar ali a aula. O primeiro ensaio devia ser um acontecimento importante na vida de um actor e guardar-se dele a melhor recordação possível. Naquele dia eu tinha estragado tudo com o meu desleixo: o ensaio foi adiado para o dia seguinte."
in A PREPARAÇÃO DO ACTOR, de Konstantin Stanislavski, tradução de Artur Ramos, Editora Arcádia, pg.17
Tuesday, May 5, 2009
Boal, aplausos e o Cortejo
Daqui a algumas horas a cidade do Porto será percorrida por centenas de estudantes num cortejo. É o Cortejo dos estudantes.
Há dias morreu Augusto Boal combatente incansável e humorado das ditaduras, morreu às mãos da mais derradeira das ditaduras, a leucemia.
Há dias morreu Boal, numa data vizinha do 1º de Maio, onde tantas outras pessoas se manifestavam e corriam as ruas que hoje o Cortejo vai percorrer.
Há dias um grupo improvisado de cidadãos na sua maioria jovens, especializados e filhos da liberdade, manifestou-se na rua contra o facto de serem trabalhadores precários. Esta manifestação seguia no fim - na cauda - da outra muito maior das centrais sindicais.
Há dias percebi definitivamente que somos a geração que pôde emergir e verdadeiramente crescer depois de uma ditadura apenas para se ver a braços com ser precários, para se ver a braços com ser coisa nenhuma, uma especializada, investida, reflectida e livre coisa nenhuma.
Há dias morria Augusto Boal. Algumas pessoas sentiram que morrera um espírito livre, algumas pessoas lamentaram que a Terra tivesse ficado mais pobre de um dramatugo, professor, teatrólogo e encenador teatral. Algumas pessoas chocaram-se com a notícia como se tivesse sido de uma bomba na sua cidade natal.
Isto aconteceu há dias e hoje passa um cortejo de estudantes pelas mesmas ruas por onde se manifestavam os restos de uma geração.
Os estudantes vão passar e há dias eu achava que tudo isto era uma valente macacada e macacada era gritar pelas ruas, e a macacada das praxes, e a macacada dos trajes, e a macacada das "actividades académicas", e a macacada do queimódromo e a macacada das barraquinhas e a macacada das cervejas e a macacada dos meninos que estão à frente dos carros e que estão à frente das negociatas das cervejas e que estão à frente na macacada do número de matrículas, e da treta e da macacada dos doutores e dos caloiros que andam pelo chão para se darem a conhecer melhor e a macacada dos meninos e meninas que vão orgulhosamente ser vistos pelo INEM por estes dias.
Eu achava que tudo isto era uma macacada.
Mas agora percebo que a liberdade é também ser-se macacóide.
Há dias Augusto Boal foi a cremar, calculo que ao subir o fumo das suas cinzas no crematório todos os presentes tenham aplaudido, como na morte se faz às pessoas de teatro. Calculo que todos tenham aplaudido e que essa tenha sido a feliz revolução contra a última ditadura - ditadura de dentro de um homem só, com uma única vítima mortal.
Há dias ter-se-á ouvido aplausos numa cremação. Hoje ouvir-se-á um cortejo a passar.
Mas atentem como as palmas a um homem nobre ensurdecem tudo o resto.
Friday, May 1, 2009
Precários de Todo o Mundo - Uni-vos!
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Dia 1 de Maio: dia do trabalhador precário.
Síntese do que é um trabalhador precário da nossa geração:
Recibos verdes (independentemente da continuidade do trabalho para o qual se foi contratado)
Sem direito a subsídio de desemprego (independentemente da duração do trabalho para o qual se foi contratado)
Obrigatoriedade de contribuição à Segurança Social (independentemente do pouco que tenha recebido do trabalho para o qual se foi contratado)
Obrigatoriedade de pagar do seu bolso um seguro de saúde (independentemente da instituição para o qual se foi contratado)
O que isto dá é que a geração que pôde escolher o seu futuro, uma geração com formação superior, encarnação da liberdade de escolha por que um país lutou e venceu, vive na inconstância não do desemprego (que é outra conversa) mas da mais completa falta de dignidade nos empregos que têm, e - como aconteceu dizerem-me hoje - receber a horas é uma sorte.
Nós - actores, professores, designers, arquitectos, jornalistas, bolseiros de investigação - nós éramos para ser a verdadeira geração auto-estrada e levarmos o país para mais longe; nós éramos para ser algo mais do que precários; nós éramos para ser algo mais que um outro lado da miséria; nós éramos para ser algo mais do que a sorte de receber a horas.
Portugal todo devia sentir vergonha.
Porque nós somos os seus filhos,
E isto não se faz a um filho. 
Mais informações neste Blog ou neste outro, sobre os recibos verdes.
