De há uns anos para cá tenho feito sessões de poesia. A história de como isto foi acontecendo é também a história do mundo do espectáculo ainda que num ponto pequeno: propostas de sessões às livrarias A, B, C e D; A não responde senão depois de C ter aceite e o espectador E ter recomendado; B protela e D aceita mas boicota pela negligência.
E negligência é a palavra-chave: o artista é sempre a última das prioridades. O microfone é sempre a última coisa a ser colocada, o som ambiente é sempre a última coisa a ser baixada, os cafés estão sempre a ser servidos. Aconteça o que aconteça os cafés têm que rolar.
Mário Viegas disse algures que quando não podia representar dizia poesia. Levei isto à letra e fi-lo, as mais das vezes graciosamente porque queria representar.
E quando um actor diz poesia - interpretada, como se fosse ele - isto causa impacto, sempre. Por pior que seja o actor. E se o actor trabalhar os poemas e a sua interpretação, mais impacto fará: sabe entrar, sabe suspender, sabe antecipar, sabe olhar, sabe comunicar.
Penso que todas as vezes que disse poesia fi-lo num propósito social: era um imperativo dizer aqueles poemas que falavam de brutalidades, de uma geração oprimida, de gente esquecida; era para mim uma urgência ajudar os parceiros junto de quem dizia poesia (livarias ou híbridos as mais das vezes) para se salvarem da extinção; e era - como disse - para me salvar a mim da inactividade como actor, uma extinção também.
Falava dos livros que leria, dos poemas e das livrarias; fazia o meu endorsement (que é sempre um perigo)e incitava a tirarem-nos a todos da extinção.
Mas digo-vos que nada disto tem valor, porque isto não é quantificável. Um cachet é quantificável; os espectadores que pedem cafés são quantificáveis; as vendas de livros são quantificáveis.
Aconteceu-me até, numa conhecida livraria de Braga, numa sessão que propusera de Pessoa (nada discutível) ao saberem que dava aulas na UMinho pretenderem que lá levasse os alunos a participar, sabendo que os alunos são de Educação Básica: quantidade e pais dos alunos a entrarem pela livraria dentro.
Aconteceu-me ver a filantropia ir pelo cano abaixo e as extinções serem questionadas ao ver livrarias (ou híbridos) a pagarem cachets milionários por sessões entre o negligente e o selvagem.
A vida está difícil para pessoas com ideologia.
Vi comércio em toda a parte, mesmo onde isso era repudiado: a venda de um café tem prioridade sobre um poema que fale do humano.
Um cliente tem sempre prioridade sobre um actor.
E o fazer-se coisas por ideologia, por imperativo quer social, quer artístico, quer afectivo, não tem o valor simbólico de um cachet tanto para os anfitriões como para os espectadores. De preferência um cachet bem alto.
A quantidade é sempre preferida à qualidade. Sempre. Mesmo quando elogiem, mesmo quando haja afecto.
Isto é tramado, mas quando se lida com o comércio (e o mercado cultural também é um mercado)temos que conhecer as regras do comércio. E eu fiz de conta que havia outras regras. Que isto sirva de exemplo.
Lembrem-se que vi sempre serem valorizados os que trabalhavam antes para a sua não extinção financeira pelos cachets, por piores performances que fossem. Quem tem imperativos financeiros não os pode ter artísticos. No entanto ganha-se de bónus o valor simbólico.
Isto anda tudo trocado.
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Friday, August 13, 2010
Um poema vale menos que um café e um artista vale menos que um cliente
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