Thursday, October 30, 2008

Wednesday, October 29, 2008

gato fedorento & herman josé - micro estudo comparativo Conclusão

Ou seja, Herman José, vindo de um programa de autor que era o Tal Canal, demorou vinte anos a deixar de fazer o que fazia, delegando autorias (de textos), separando-se de funções (de actor), afastando-se de formatos em que tinha sido notável (de ficção) até que ao voltar (no Hora H) vindo do seu longo périplo pela função de apresentador de tv, a ficção foi-lhe madrasta e um país agora alimentado a outras coisas parecia já não o querer de volta.

Vinte anos passaram desde o Tal Canal, vinte anos em que uns se meteram por concursos e outros se meteram por aquela coisa nova a que chamam stand-up commedy. Apareceu um programa (Levanta-te e Ri) que fez aparecer - mais que estrelas em ascensão - uma noção delicada: todos podem ser engraçados/todos podemos ser engraçados. O que deu cabo de tudo.

Muitos apareceram, vindos da grande escola do anedotismo, nutridos por canais de cabo e velhas referências, mas sempre assentes nessa certeza duvidosa: todos podemos ser engraçados. A ficção ficou pelo caminho, bastava dizer uma anedota, inventada, recontada, recriada ou todas as variações do sábio mundo dramatúrgico da anedota, o que inclui a troça, o remoque e a imitação.

Gozai os mais pequenos e sereis apreciados.
Nova certeza duvidosa, por aqui se reconhece um canalha, dentro ou fora da tv, dentro ou fora do anedotário do stand-up.

Servi o poder e estareis bem servidos.
O problema principal destas três certezas duvidosas é que são a morte do artista. E para haver alguém de respeito nestas coisas é necessária ficção senão é só bitaites de fundo de sala de aula, é só anedota e troça, é só olha para mim que eu sou engraçado. Não interessa os soundbytes a que os Gato Fedorento deram origem, interessa que Herman José demorou vinte anos a ir da ficção para o concurso/talk-show, eles demoraram dois. O que já foi provado ser a manobra mais mortal que um criador pode fazer.

É claro que a criatividade andará muito sobrevalorizada. Além de que hoje em dia o lixo vende bem.

Thursday, October 23, 2008

gato fedorento & herman josé - micro estudo comparativo IV

Em 2004, por altura do apogeu televisivo, audiências e C.ª de Herman José e do programa Herman SIC, surgia uma dúvida - que lhe teria acontecido?:

Que te aconteceu Herman?

Vi-te na televisão ainda no outro dia e continuo sem te reconhecer. Lembro-me de ti quando ainda eras Herman José. Não compreendo porque deixaste de ser Herman José. Agora tens um programa com o teu nome e o cabelo pintado de amarelo. Mas tudo mudou e tu, se calhar, até pensas que não. No outro dia pareceu-me mesmo que acreditavas que o ovo ainda estava no cu da galinha. Mas já não está pois não Herman? A tua confusão deve vir daqueles anos em que deixaste de ser Herman José. Não foi há muito tempo, eu recordo bem a mudança. Tu continuas a sorrir mas sei que sabes já não ser Herman José. E eu tenho pena, é que a minha geração admirava-te. Fazias coisas tão boas que nos nossos afectos estavas sempre ao lado dos melhores e acredita, éramos exigentes.

Enfim, isso foram outros tempos não é? Agora os nossos caminhos separaram-se e tu preferiste deixar de ser Herman José.

Eu até compreendo que deveria ser complicado manter uma carreira como Herman José, a criatividade nunca é fácil. Mas que te aconteceu Herman? Poderias muito simplesmente ter ido embora - eras uma diva e não foste embora como as divas fazem quando percebem que o seu tempo está a acabar. Ficaste e mais programa menos programa foste transformando em pó e em memórias vídeo tudo o que tinhas feito. Tornaste-te Televisão. Agora olho para ti e não te reconheço, tens um programa com o teu nome, dura duas horas, é em horário nobre, tens muitos convidados e uma equipa que trabalha contigo há anos mas no teu caso isso tudo só quer dizer que te tornaste numa instituição. E todos nós sabemos que as instituições não têm graça.

Finalmente compreendo porque não te tenho reconhecido: Herman José agora é museu.

Mas tu, quando acaba o teu programa e vais para casa, tu pensas nisto não pensas? Pensas naquilo que se perdeu, não pensas? De certeza que pensas nas razões que te levaram a deixar de ser actor para ser um colaborador, e com certeza que deves lembrar-te que ser colaborador está muito próximo do traidor. Traíste o teu génio não foi? Vendeste tudo ao desbarato e agora o máximo que se pode dizer de ti é que foste Herman José: quando decidires acabar a tua carreira far-te-ão uma daquelas festas de despedida transmitidas em directo dizendo que se vai embora um homem que em tempos tinha sido Herman José.

E por enquanto, que fazer? Aguentar e vender a agenda da tua estação, não é? Fora isso és apenas mais um em mais um canal, o que é igual a nada. Falas, sorris, dizes coisas, convidas gente que toda a gente conhece, convidas a metade do mundo que pertence ao canal onde trabalhas, convidas estrelas estrangeiras com quem falas com pronúncia e que traduzes truncado para seres engraçado. Mas até tu sabes que há uma diferença entre ter graça e ser engraçado não é?

E o que é mais estranho num homem que foi Herman José é que acreditas tu e a tua equipa que o ovo ainda está no cu da galinha. Mas alguém deveria avisar-te que Herman José se transformou num estúdio de televisão - as gargalhadas no estúdio são sempre garantidas, são como as palmas: de lata.

Antes lutavas por conquistar um país, entretanto preferiste comprar um mundo do tamanho de um estúdio. Pois bem, esse mundo de aluguer é teu, faz dele o que quiseres, poderás envelhecer o teu elenco aí dentro. Poderás fazer mais entrevistas aos teus patrões, poderás fingir ter graça, poderás até inventar uma piada um dia. E sossega, entretanto, poderás distraír tranquilamente toda a gente do facto de teres sido Herman José e agora seres só mais um apresentador de televisão.


Nuno Meireles

Friday, October 17, 2008

gato fedorento & herman josé - micro estudo comparativo III

No último programa de gato fedorento, transmitido a 12 de outubro, temos esta interessante variação de tempo de antena entre sketches (18 min. aprox.) , talk-show (12 min. aprox.) e aplausos/público (3min. aprox.). A tendência para o talk-show (somando-se ao uso do público em situação de aplauso) é significativa e será - como caixa de Pandora - o que une este colectivo na sua semelhança de trajecto a Herman José.

Sunday, October 12, 2008

gato fedorento & herman josé - micro estudo comparativo II

Gato Fedorento - semelhanças e contrastes de percurso na sua cronologia

Formato de programa (sketches)
2004
programa de
sketches na SIC (Radical)
2005
programa de sketches na RTP

Formato de programa (talk-show)
2006
programa/talk-show com sketches no horário nobre de Domingo na RTP
2008
programa/talk-show com sketches no horário nobre de Domingo na SIC

Entradas em canais de televisão
2004
entrada na SIC (Radical)
2005
entrada na RTP
2008
entrada na SIC

Saídas de canais de televisão (por motivos morais)
2005
saída da SIC por anunciada emissão não-autorizada de programa de sketches
2007
saída da RTP para anunciada paragem e/ou férias

gato fedorento & herman josé - micro estudo comparativo I

Gato Fedorento - cronologia da actividade audiovisual

2008
- regresso ao canal SIC: estreia de programa/talk-show com sketches no horário nobre de Domingo
- extensa actividade publicitária à marca MEO, da PT
- actividade publicitária de três dos membros à marca Benfica
- estreia de um dos seus membros num monólogo em teatro

2007/08
- saída do canal RTP para paragem e/ou férias
- emitido programa especial de passagem de ano no canal RTP
- extensa actividade publicitária à marca PT

2006
- estreia de programa/talk-show com sketches no horário nobre de Domingo da RTP
- actividade publicitária de um dos membros à marca Licor Beirão
- lançamento de 3º dvd com sketches

2005
- entrada na RTP em programa de sketches
- saída do canal SIC (Radical) por emissão não-autorizada de sketches por parte do canal SIC
- lançamento de 2º dvd com sketches

2004
- participação com sketches em programa do canal SIC Radical, da SIC
- lançamento de 1º dvd com sketches
- estreia do grupo em espectáculo ao vivo em representação de sketches

(2003
- formação de Gato Fedorento em formato de blog por parte de argumentistas de empresa de conteúdos humorísticos)

Tuesday, October 7, 2008

novo horário aulas de teatro iniciação - Contagiarte, Porto

Esta oficina é uma iniciação ao teatro. É uma sensibilização e um começar a desenferrujar corpo, voz e imaginação. Destina-se a quem quer dar os primeiros passos e adquirir as primeiras ferramentas e experiências de teatro. Recupera tudo que é simulação, faz-de-conta, simulacro, e outros sinónimos do que já fazíamos quando éramos crianças, e dá um passo adiante.

Nesta oficina será abordado o teatro enquanto um jogo de simulação
a) entre os seus jogadores (Jogo Dramático)
b) entre os jogadores e o público (Jogo Teatral)
c) entre jogadores, texto e público (Cenas)

Nesta fase de iniciação a oficina assentará muito mais em processos do que em resultados, ou seja, preocupar-nos-emos sobretudo com o actor e como ele comunica com os outros actores e com o espectador.

Quartas-feiras no Contagiarte
20h - 22.00h

Sunday, October 5, 2008

Fernando Peixoto 1947 -2008

(fotografia trazida de Almas Douradas)

Já se torna habitual cronicar a ida de homens valiosos, mas deste em especial custa e custa muito. O que dizer de um homem bom? O que dizer de um poeta, de um investigador, de um professor, de um colega, de um amigo? O que dizer de um homem com uma generosidade só comparável ao carinho que lhe tinham? A morte é sempre dificil, mas de algumas pessoas é francamente inaceitável. A morte - essa ceifeira que nunca pára, que parece apressar-se mais à vista de gente boa.

Muitas outras pessoas conheciam o Fernando Peixoto melhor que eu, e a muitas pessoas esta morte, sempre prematura, sempre inavisada, sempre inacreditável, muito abalou. Mas gostava de dizer algumas palavras, que serão sempre pouco e sempre impotentes - para o que importa - que é trazer as pessoas de volta. Resta-nos a memória.

Há coisa de um ano decidi criar este blogue para produzir e divulgar conhecimento, inspirado no exemplo do Fernando Peixoto que, professor de História de Teatro na ESAP, tinha editado uma História do Teatro Europeu. Um volume único em Portugal, de uma pessoa que falava com um brio e escorreito como ninguém. Não sabia ainda que este homem era também poeta. Mas estava tudo dito. Aquele amor pelas pessoas e pelas coisas só podia estar vinculado à alma senão maior de poeta pelo menos mais martelada e em brasa na forja de uma sensibilidade especial.

Já conhecia a admiração dos alunos por ele, já conhecia também um passado tramado na Guerra Colonial e uma memória de emboscadas que o levava a não se sentar em refeição de costas para as portas. Conheci depois o fulguroso impulsionador do associativismo, e também conheci o respeito e a deferência (genuína como se pode ter, e tinha, a um homem que sabia muito e usava o que sabia na defesa das pessoas e do que promovesse o encontro das pessoas) que lhe tinham as pessoas desse mesmo associativismo.

Conheci, por ele, a importância do teatro amador, o Dia Mundial do Teatro Amador e, ao ouvi-lo - há uns anos - ler a mensagem desse dia, só pude pensar quão de teatro podia ser um homem que lia assim. E era-o. Além de professor, era também dramaturgo, actor, encenador.

Um homem polivalente na sabedoria, estudava a História em múltiplos aspectos e de muitas coisas. Já tinha estudado as minorias religiosas e concluira agora a redação da sua tese de doutoramento sobre a História do Vinho do Porto. Não chegou a defendê-la por acasos do destino - uma verdadeira unha negra - mas o trabalho está feito e isso já ninguém lhe tira. A tese foi concluída, uma vitória meu caro Peixoto!

Um homem informado sobre tudo; desde a Expressão Dramática à Arte de dizer poesia, como lhe chamou. Numa das últimas vezes em que estive com ele, falou dos dois assuntos com uma atenção, uma preocupação e uma generosidade ímpares: em relação aos alunos comuns e ao seu futuro profissional, e ao que podíamos fazer para que conseguissem vencer na vida; e em relação a mim mesmo, que dava primeiros passos a dizer poesia, para que pudesse eu crescer de onde estava. Os conselhos e as observações dele foram tão bons que os alunos, sem que o soubessem, ganharam imediatamente na minha disciplina um programa curricular mais adaptado a eles, e eu ganhei um empurrão e um amigo que depositava em mim a sua inesgotável confiança.

Quando se vive entre livros é fácil perder de vista as pessoas - refiro-me a mim e não a esse grande homem que partiu e que vivia entre livros porque parecia gostar de viver entre pessoas - mas estar com alguém como o Fernando Peixoto era encontrar um rosto, uma voz humana para o conhecimento. Nele que uma noite disse estar a fazer um intervalo por ter ainda muitos títulos para digitalizar, para a sua base informática; que mantinha um blogue sobre teatro aberto a todos, que mandava recados a quem tivesse orelhas; que escrevia, prefaciava, apoiava a poesia em tantos lados, da internet aos lançamentos de livros. Que acreditava no teatro, que acreditava genuinamente no teatro.

Conheci-o há cinco anos numa entrevista, ao lado do Roberto Merino e da Eduarda Neves. Essa foi a entrevista para um lugar de professor na ESAP, a minha entrevista. Nesse pequeno júri, ele ali estava, com voz sonante e um sorriso alegre. E eu assim o vi nos cinco anos seguintes, camarada, com voz sonante e um sorriso alegre. Em reuniões sobretudo, onde quase todos nos víamos. E não sei como vai ser agora, em que estará lá toda a gente e faltará alguém - um lugar deixado vazio, como numa família. Não sei como vai ser agora mas acho que vamos olhando, de tempos a tempos, para a porta para ver se ele lá aparece, com os livros debaixo do braço, com a sua barba, os seus óculos enormes, o casaco de bombazine e a sua voz.

 

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