(fotografia trazida de Almas Douradas)
Já se torna habitual cronicar a ida de homens valiosos, mas deste em especial custa e custa muito. O que dizer de um homem bom? O que dizer de um poeta, de um investigador, de um professor, de um colega, de um amigo? O que dizer de um homem com uma generosidade só comparável ao carinho que lhe tinham? A morte é sempre dificil, mas de algumas pessoas é francamente inaceitável. A morte - essa ceifeira que nunca pára, que parece apressar-se mais à vista de gente boa.
Muitas outras pessoas conheciam o Fernando Peixoto melhor que eu, e a muitas pessoas esta morte, sempre prematura, sempre inavisada, sempre inacreditável, muito abalou. Mas gostava de dizer algumas palavras, que serão sempre pouco e sempre impotentes - para o que importa - que é trazer as pessoas de volta. Resta-nos a memória.
Há coisa de um ano decidi criar este blogue para produzir e divulgar conhecimento, inspirado no exemplo do Fernando Peixoto que, professor de História de Teatro na ESAP, tinha editado uma História do Teatro Europeu. Um volume único em Portugal, de uma pessoa que falava com um brio e escorreito como ninguém. Não sabia ainda que este homem era também poeta. Mas estava tudo dito. Aquele amor pelas pessoas e pelas coisas só podia estar vinculado à alma senão maior de poeta pelo menos mais martelada e em brasa na forja de uma sensibilidade especial.
Já conhecia a admiração dos alunos por ele, já conhecia também um passado tramado na Guerra Colonial e uma memória de emboscadas que o levava a não se sentar em refeição de costas para as portas. Conheci depois o fulguroso impulsionador do associativismo, e também conheci o respeito e a deferência (genuína como se pode ter, e tinha, a um homem que sabia muito e usava o que sabia na defesa das pessoas e do que promovesse o encontro das pessoas) que lhe tinham as pessoas desse mesmo associativismo.
Conheci, por ele, a importância do teatro amador, o Dia Mundial do Teatro Amador e, ao ouvi-lo - há uns anos - ler a mensagem desse dia, só pude pensar quão de teatro podia ser um homem que lia assim. E era-o. Além de professor, era também dramaturgo, actor, encenador.
Um homem polivalente na sabedoria, estudava a História em múltiplos aspectos e de muitas coisas. Já tinha estudado as minorias religiosas e concluira agora a redação da sua tese de doutoramento sobre a História do Vinho do Porto. Não chegou a defendê-la por acasos do destino - uma verdadeira unha negra - mas o trabalho está feito e isso já ninguém lhe tira. A tese foi concluída, uma vitória meu caro Peixoto!
Um homem informado sobre tudo; desde a Expressão Dramática à Arte de dizer poesia, como lhe chamou. Numa das últimas vezes em que estive com ele, falou dos dois assuntos com uma atenção, uma preocupação e uma generosidade ímpares: em relação aos alunos comuns e ao seu futuro profissional, e ao que podíamos fazer para que conseguissem vencer na vida; e em relação a mim mesmo, que dava primeiros passos a dizer poesia, para que pudesse eu crescer de onde estava. Os conselhos e as observações dele foram tão bons que os alunos, sem que o soubessem, ganharam imediatamente na minha disciplina um programa curricular mais adaptado a eles, e eu ganhei um empurrão e um amigo que depositava em mim a sua inesgotável confiança.
Quando se vive entre livros é fácil perder de vista as pessoas - refiro-me a mim e não a esse grande homem que partiu e que vivia entre livros porque parecia gostar de viver entre pessoas - mas estar com alguém como o Fernando Peixoto era encontrar um rosto, uma voz humana para o conhecimento. Nele que uma noite disse estar a fazer um intervalo por ter ainda muitos títulos para digitalizar, para a sua base informática; que mantinha um blogue sobre teatro aberto a todos, que mandava recados a quem tivesse orelhas; que escrevia, prefaciava, apoiava a poesia em tantos lados, da internet aos lançamentos de livros. Que acreditava no teatro, que acreditava genuinamente no teatro.
Conheci-o há cinco anos numa entrevista, ao lado do Roberto Merino e da Eduarda Neves. Essa foi a entrevista para um lugar de professor na ESAP, a minha entrevista. Nesse pequeno júri, ele ali estava, com voz sonante e um sorriso alegre. E eu assim o vi nos cinco anos seguintes, camarada, com voz sonante e um sorriso alegre. Em reuniões sobretudo, onde quase todos nos víamos. E não sei como vai ser agora, em que estará lá toda a gente e faltará alguém - um lugar deixado vazio, como numa família. Não sei como vai ser agora mas acho que vamos olhando, de tempos a tempos, para a porta para ver se ele lá aparece, com os livros debaixo do braço, com a sua barba, os seus óculos enormes, o casaco de bombazine e a sua voz.
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Sunday, October 5, 2008
Fernando Peixoto 1947 -2008
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Ditulis Oleh : Unknown // 3:28 AM
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