Ontem o Minho foi um lugar abençoado. Não foi Lisboa, não foi o Porto, não foi mais nenhum lugar senão no Minho a cidade de Guimarães. Peter Brook era-nos trazido ao Centro Cultural Vila Flor (CCVF). Não era preciso ir a Paris ou a Londres para ver um criador internacionalmente eminente a fazer um autor universal, pois Guimarães deu-nos isso.
Uma equipa de inteligentes e diligentes programadores (e suas parcerias) deu-nos Beckett por Brook. E se isto era francamente chamativo por si, o que tivemos ontem foi a fama com o proveito.
Em primeiro lugar tivemos a oportunidade de ver um dos mais antigos encenadores em actividade, e um dos mais influentes - pelos seus livros por um lado, e pelas suas diferentes vias de criador, por outro (de Shakespeare ao indiano Mahabharata, da Royal Shakespeare Company ao tapete que se transporta e estende e é o espaço necessário para representar).
Em segundo lugar pudemos ver quatro das peças pequenas de Samuel Beckett (Rough for Theatre I; Rockaby; Act Without Words II, Come and Go) e um poema (Neither) feitos por três actores, que chegavam, se colocavam e começavam, peça após peça. Sem mais nada senão meia dúzia de objectos e a luz: uma cadeira, um bloco, um pau, um violino, sacos, e eles. O texto, as palavras e eles.
Diz Brook num dos ensaios de "There Are No Secrets" que ou existe logo algo que una espectador e actor ou o espectáculo se perderá. E foi precisamente essa união o que ontem aconteceu. Os actores entraram e uma faísca fez-se e estávamos nós, o público mais ou menos imigrado que fora a Guimarães, a acompanhar o pequeno tormento daquelas pequenas vidas tão dificeis de localizar, se aqui, se agora, se numa aridez histórica qualquer. Estávamos nós a acompanhar a crueldade com humor do Rough for Theatre I, a tensão e a pequena dor de Rockaby, a inacreditável "clownerie" de Act without Words II, o poema Neither como continuação de Rockaby e a pequena farsa final de Come and Go. Tudo (as peças, o poema) alternando numa ordem entre o que podíamos chamar cómico e trágico.
Provavelmente qualquer outra produção semelhante não teria sido tão feliz. Qualquer produção semelhante na malandrice com que esta brincou com o Beckett das tensões e didascálias, trocando mulheres por homens, vozes off por vozes on, paus horizontais por verticais, até mesmo acções por rotinas de "clown", talvez não fosse tão feliz.
Há dias aventávamos que não seria possível fazer-se Come and Go com actrizes jovens. E nem nos ocorreria pensar em homens. Mas não só o é (possível) com uns como com outros. E foi-o. A actriz Hayley Carmichael que havia estado pesando e pensando cada palavra em Rockaby, ou no poema Neither, como se desdobrasse um longo novelo de si, agora era (em Come and Go), de casaco posto, uma velha.
Que dizer também do cego de César Sarachu e da sua mão que tacteava ou dos seus olhos fundos e negros e inexistentes? Que dizer da perna que não existia também de António Gil Martinez? Que dizer desse grande número cómico do Act without Words II, com a plateia a rir-se e a - sem querer, como crianças - provar porque Beckett é extraordinário e não menos extraordinario Brook que o releva? Que dizer da sensação de gozo, de verdadeiro gozo em acompanhar esta peça e sentir com pena que a noite já tinha chegado ao fim?
Ontem era completamente claro que em Peter Brook não existe diferença ou desavença entre prática e teoria, portanto se o meu caro leitor pensar em ir ver este espectáculo, vá hoje ao Centro Cultural Vila Flor, ou então vá depois a Viseu. Se não puder ir e, para que tenha uma ideia, compre os seus livros, que lá estará tudo o que pode ser formulado, tudo o que pode ser dito do bonito encontro que aconteceu ontem.
Nota: A seguir ao espectáculo houve a oportunidade de vir a equipa criativa (actores e Marie-Hélène Estienne, colaboradora de Peter Brook) conversar com a plateia. Era uma oportunidade e como com tudo que o é, pode ser bem ou mal aproveitada. Ontem - como tem sido habitual em situações deste género - estivemos muito perto de ser uma oportunidade mal aproveitada.
Estas conversas (ou as suas intenções) têm sido costumeiras. Mas nestas ocasiões perguntamo-nos porque não são colocadas questões por pessoas de franca responsabilidade e saber. Cinco questões foram postas, todas elas por praticamente ou quase praticamente espectadores sub 30; na sala havia doutorados, professores, programadores e demais incógnitos, mas foram ou jovens profissionais ou estudantes a desencadear a conversa, a fazer as despesas da casa. Não se compreende. Torna-se a oportunidade de se conversar (o que afinal aconteceu, pelos juvenis meios acima descritos) num possível momento de embaraço, de embasbacamento nós olhamos para vocês e vocês olham para nós, até que alguém tenha a lucidez de acabar com isso e diga que já vai longa a noite.
Home » Samuel Beckett » Crítica a "Fragments" de Beckett/Brook, no CCVF
Saturday, March 14, 2009
Crítica a "Fragments" de Beckett/Brook, no CCVF
Lihat juga Artikel dari CCVF, crítica, Fragments, Peter Brook, Samuel Beckett
Ditulis Oleh : Unknown // 2:52 AM
Kategori:
Samuel Beckett
Subscribe to:
Post Comments (Atom)

0 comments:
Post a Comment