Não tenho visto ninguém que saiba aquecer, e isto acontece porque ninguém sabe o que vai fazer e o que é necessário para o que vai fazer.
É claro que isto necessita raciocínio e não nasce de um dia para o outro: aquecer para representar é diferente de aquecer para correr, lutar, nadar... Porquê? porque temos variáveis diferentes e competências diferentes.
Rodar a cabeça, os joelhos, a bacia, um pouco os braços, fazer estiramentos (no chão!) é muito bonito mas não serve a um actor, não é o seu mecanismo, não há uma relação com o que ele fará. Só mexe músculos, nada mais.
É necessário começar a pensar
no espaço
nas outras pessoas
no ritmo
na acção voluntária
na tarefa dada por si próprio
no espectador
É imperioso que eu me desloque no espaço que depois na cena devo atravessar; que eu crie ritmos nos meus movimentos; que eu comece dos pés para a cabeça (pois os pés são o princípio da acção); que eu experimente a amplitude de possibilidades de torções e formas do meu corpo (para estar pronto a produzi-las na cena); que eu imagine sempre qual é o plano que estou a mostrar ao espectador (e que portanto eu imagine onde está o espectador em cada movimento); que eu mostre claramente qual é a minha tarefa/exercício (pois é isso que vou fazer em cena - mostrar); é urgente que eu me mantenha atento e me contenha de distracções durante o aquecimento (pois aí já eu começo a representar).
Rodar articulações com pastilha elástica, ou a conversar para o lado, não é um aquecimento, é uma anedota.
Temos que pensar no que vamos fazer para nos prepararmos.
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Thursday, June 30, 2011
Aquecimento para teatro
Como se vai vestido para um ensaio
Isto importa? Importará se a roupa com que eu quero ser visto na minha vida real é a roupa com que vou para/faço um ensaio: calções, saias, óculos escuros, sandálias, sapatos altos...
Precisamos sempre de fazer a distinção entre vida e trabalho, e a distinção entre o que serve que objectivo. Quando eu escolho a minha roupa para cada dia tomo em consideração várias coisas, mas essas serão necessariamente diferentes de escolher roupas para um ensaio. Porque num ensaio eu não devo
a) estar a pensar na roupa que levo
b) levar os outros a pensar na roupa que levo
Ou seja, preparo-me para fazer tudo e a minha roupa é um instrumento para isso, não me preocupo com sujar, rasgar, alargar e muito menos com distrair: procuro que a minha roupa não atraia atenções porque - ao contrário da vida quotidiana de várias pessoas - esse não é o objectivo durante o processo de criação.
O que na vida real pode surpreender comentários, elogios ou piropos é poluição num ensaio, pois a atenção desviou-se do que eu faço/crio para o que eu levo/uso.
É claro que muitas pessoas preferem a sua própria vaidade ao que fazem/criam.
Então que roupa será adequada levar para um ensaio, para trabalhar cenas e teatro?
- procuramos algo que permita todo o espectro do actor, que permita todos os movimentos (correr, flectir, rastejar, saltar, lutar...), que permita que eu não pense senão no que faço (que seja desvinculado de memórias, associações...), que permita que os outros possam ver em mim o que eu quero (logo não tem signos, nem desenhos, nem é muito apertado nem muito largo pois isso afecta a expressividade).
Queremos para cada ensaio um fato de trabalho, um uniforme.
Se acham isto algo radicalizado acreditem que os cuidados em não se suar a blusa, em não ajoelhar por causa dos calções, em andar com vagar por causa dos saltos assim o pedem.
Livro do Dia: Teatro 3 de Bertolt Brecht
Deste livro, para este nosso tempo, destaquemos A Mãe (que vimos numa estupenda criação da Companhia de Teatro de Almada). A Mãe que faz a sua aprendizagem política em tempos difíceis para ela, toda a peça é a sua aprendizagem ou tomada de consciência. E agora, entre nós isso talvez seja mais necessário que nunca
Este é o terceiro volume de uma colecção que se pretendia de oito volumes, no entanto - apesar do óptimo projecto da Editora Cotovia e da brechtiana Vera San Payo de Lemos - ficámos desde 2006 pelo 4º...
Wednesday, June 29, 2011
"Estar" num ensaio
Eu antes não sabia estar num ensaio. Não sabia como me havia de comportar. É claro que as artes marciais me ensinaram qualquer coisa a este respeito: fechar a boca, conter o corpo e ouvir. Mas ainda não sabia o que fazer, apenas o que não fazer. Isto já foi uma grande ajuda para quando aprendi a estar num ensaio, com Guennadi Bogdanov.
Antes do mais vejamos o que se passa num ensaio: tentamos coisas, lançamos hipóteses de cenas, de gestos, de tempos, de timings. E fazêmo-lo sempre a mirar o espectáculo, a pensar "vai ser assim". Mas muitas vezes não nos lembramos de que o que fazemos em ensaio será o que faremos frente a um público: não apenas as formas mas os comportamentos. Se formos desleixados sê-lo-emos depois - se formos moles, distraídos, se nos interrompermos sempre, ou se por outro lado formos contidos, ou atentos, ou pormenorizados sê-lo-emos em espectáculo. Porque o milagre do salto quântico do ensaio para espectáculo não existe. Portanto em ensaio a minha relação com o espectáculo está a ser treinada: se estiver ao telemóvel sempre, se chegar atrasado, se preferir sentar-me, se me acontecer conversar com o colega sobre trivialidades acontece isto:
a) não estou pronto para criar
b) em espectáculo vai perceber-se isto mesmo
Portanto, com Bogdanov percebi que a aula é simulaçâo de ensaio, que o ensaio é simulação do espectáculo, e que posso treinar a relação que quero com o espectáculo.
E como não quero que a minha relação seja de desleixo e que depois digam de mim "olha aquele actor estava a marimbar-se para a cena" eu comporto-me como acho que devo*. Sempre.
Depois acaba o ensaio e posso falar de tudo, sentar-me, pegar no telemóvel, distrair-me (ou permitir-me distracções).
*fazermos o necessário para treinar a nossa relação com o espectáculo é que é, na minha opinião, saber "estar" num ensaio. Pode difeir de pessoa para pessoa, mas é sempre consciente e é sempre uma coisa que não é pessoal como são pessoais as conversas triviais. É trabalho.
Livro do Dia: Breve História do Teatro Português, de Luiz Francisco Rebello
Este livro é capaz de ser dos mais pequenos do seu autor, que por sua vez é um dos maiores autores de Portugal.
Luiz Francisco Rebello é o maior teatrólogo e historiador de teatro português de que tenho conhecimento: nascido em 1924 tem sido dramaturgo, historiador, teatrólogo e editor de teatro.
Esteve na origem do Teatro-Estúdio do Salitre (de que ninguém fala) que provavelmente nos anos 40 foi o percursor do teatro experimental português das décadas de 60, 70 e 80. Luiz Francisco Rebello além de especialista em direitos de autor também foi durante muitos anos presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, de onde saiu acusado de fraude, no que infelizmente lhe mancha o percurso.
O livro que ora apresentamos é um livrinho barato, de bolso e completissimo. E ainda está à venda. A não perder para qualquer pessoa interessada em teatro.
Monday, June 20, 2011
Pierre Voltz (1933 - 2011)
A morte vai e volta, colhendo sempre. Não falha, pode atrasar mas vem sempre. Toda uma geração está a ser colhida, porque tem de ser. Toda uma geração que nos formou e nos antecedeu, em grandeza: Isabel Alves Costa por exemplo, e agora um seu mestre - Pierre Voltz.
Pierre Voltz era encenador e professor de várias áreas ligadas às comunidades, ao teatro de estudantes e à voz.
Se encontrarem o Dictionaire encyclopédique du Théâtre (dir. Michel Corvin)a entrada sobre a Voz é de Pierre Voltz que começa assim
Voix. On peut approcher la définition de la voix humaine par deux biais différents: comme objet, c´est l´ensemble des sons produits par le gosier humain, tels qu´ils peuvent être perçus par une oreille extérieure (ou tels que les restituent un enregistrement); comme agent, c´est l´organe produteur de ces sons, élément du corps humain que les produit.
(pg. 1722)
Eu aprendi muito com este homem. Obrigado e adeus.
Saturday, June 4, 2011
Livro do Dia: Dynamic Stretching and Kicking, de Bill "Superfoot" Wallace
Este será talvez um livro improvável para pessoas de teatro mas extraodinário para quem trabalhe com o corpo e aprecie artes marciais: Bill Wallace* tem um conhecimento clarissimo do trabalho e mecânica dos músculos, do modo de os tornar muito flexiveis e também de como - usando um repertório reduzido de movimentos (pontapés) - se pode ser muito eficiente.
A sua história é tão curiosa como a sua abordagem: depois de um acidente no Judo a sua perna direita ficou inviabilizada para o Karate (onde se especializou depois). No entanto usando somente a perna esquerda para pontapear desenvolveu 3 dos pontapés possíveis (lateral, circular e em gancho) muito rápidos.
* "Superfoot" porque a sua perna esquerda é de facto incrivelmente rápida. 
stretching
kicking
Há quem argumente que um actor deve poder fazer a espargata (entre outras competências), por isso porque não tentar?
Friday, June 3, 2011
Livro do Dia: Make Acting Work, de Chrys Salt
Ora bem: estudamos (uns mais que outros), preparamo-nos, pensamos e projectamos entrar para a profissão, mas como o fazemos? Como apresentamos quem somos e o que fazemos em castings, leituras, pequenos filmes?
Este livro diz-nos isso e também a terrível verdade: é-se actor quando se trabalha (e só aí).
Thursday, June 2, 2011
Livro do Dia: Threads of Time - A Memoir, de Peter Brook
Este é um livro não só importante como muito agradável. O seu autor, Peter Brook, antigo (n. 1925), influente e inovador encenador e realizador inglês, leva-nos pela sua vida com a clareza, o humor e a delicadeza dos seus outros textos.
Se pudesse haver outra forma de dizer o quanto admiro este homem di-lo-ia.
