Hoje é o Dia Mundial do Teatro: como num aniversário juntamos as pessoas de que gostamos e falamos de histórias, brindamos e rimos, olhamos nos olhos e sem querer dizemos sem dizer o quão somos amigos uns dos outros.
Hoje lembro-me de amigos.
Augusto Boal
Marcel Marceau
Gardi Hutter
Guennadi Bogdanov
Konstantin Stanislavski
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Saturday, March 27, 2010
Dia Mundial do Teatro 2010
Wednesday, March 24, 2010
Mensagem de 27 de Março - o Dia Mundial do Teatro 2010 - Dame Judi Dench
"O Dia Mundial do Teatro é uma oportunidade de celebrar o Teatro em todas as suas múltiplas formas. O Teatro é fonte de entretenimento e inspiração e tem a capacidade de unificar as mais diversas culturas e povos que existem por todo o mundo. Mas o teatro é mais do que isso e também cria oportunidades de educar e informar.
O Teatro é apresentado por todo o mundo e nem sempre numa cena tradicional de teatro. As apresentações podem acontecer numa pequena aldeia em África, perto de uma montanha na Arménia, ou numa minúscula ilha no Pacífico. Tudo o que ele precisa é de um espaço e de espectadores. O Teatro tem a capacidade de nos fazer sorrir, de nos fazer chorar, mas deveria também fazer-nos pensar e reflectir.
O Teatro acontece pelo trabalho de equipa. Os Actores são as pessoas que são vistas, mas há um espantoso conjunto de pessoas que não são vistas. Elas são tão importantes como os actores e as suas diversas e especializadas competências tornam possível acontecer uma produção. Elas também devem partilhar quaisquer triunfos e sucessos que esperançosamente possam ocorrer.
27 de Março é sempre o oficial Dia Mundial do Teatro. De muitas maneiras cada dia deveria ser considerado um dia de teatro, pois nós temos a responsabilidade de continuar a tradição de divertir, de educar e iluminar os nossos espectadores, sem os quais não existiríamos."
Tirado daqui
(tradução nossa desde que em outros sites vimos traduzido "All it needs is a space and an audience" por "Ele não necessita de um espaço e de um público próprios"...)
Saturday, March 13, 2010
Sobre a Praxe e o "trote solidário"
Há uns tempos escrevi sobre a praxe - que, agora neste dias em que se discute o Bullying, me parece pertinente referir, dado que são destratos entre pares. Dizem-me alunos que participam (como praxados) que não é para humilhar, mas as representações em forma de imagem sobre a praxe envolvem sempre vários alunos de quatro, de joelhos no chão, pés cruzados e erguidos, e um outro de dedo apontado ao seu lado, como que a ordenar.
Isto não é violência entre pares? Não é violência sistemática, repetida entre pares?
Isto tem que ser necessariamente assim?
Do outro lado do Atlântico Taís Ferreira escreve um belissimo post de advertência e bom-senso, que transcrevo aqui:
"Queridos/as alunos/a do curso de teatro
Iniciamos mais um ano letivo e gostaria de dar boas-vindas a todos/as em nome da cooordenação do curso e desejar que tenhamos um ano produtivo juntos/as!
E que sejam muito bem-vindos/as e acolhidos/as os/as calouros/as!!!
Creio que todos vocês já saibam, mas não custa lembrar: trotes que envolvam qualquer tipo de violência ou constrangimento (físicos ou morais) são terminantemente proibidos nesta em em qualquer universidade pública brasileira. É crime previsto por lei e o aluno que submeter outro a qualquer prática caracterizada como "trote violento" pode perder sua vaga na instituição, pagar multas altas e até ser preso.
Portanto, sugiro que vocês proponham trotes solidários e úteis (lembrando sempre que NINGUÉM é obrigado a participar, só por livre e espontânea vontade), como limpeza de praças públicas, arrecadação de ração para animais de rua de Pelotas, doação de sangue no Hemocentro, coleta de material escolar e livros infantis para serem doados, realização de alguma atividade teatral em asilos, escolas carentes, abrigos... Enfim, usem a imaginação para pensar em coisas bacanas para recepcionar os calouros!
Grande abraço!
Profa. Taís Ferreira - coordenadora teatro "
"Incorporar a personagem"
Em dois dias ouvi de duas pessoas a expressão acima a propósito de um dos passos do trabalho numa peça/performance de teatro com crianças.
Já ouvi "Encarnar a personagem" de um aluno a referir-se exactamente ao mesmo.
Ocorrera-me neste último caso saber muito sociologicamente onde terá o aluno ouvido ou lido esta expressão. Mas contive-me pois seria demasiado demorado e desgastante provar que é um lugar-comum. Que, nestes contextos, são palavras que não significam nada.
O curioso é que os três casos referidos não tinham relação directa com o teatro (como criadores - porque dar aulas de teatro é outra coisa...), educação formal de teatro, e é pouco provável que pudessem alguma vez ter lido "O trabalho do actor sobre si mesmo no processo criador da encarnação" de Konstantin Stanislávski.
Mas mesmo assim o vento soprou, ao longo de gerações, da Rússia aos EUA, dos anos 1940 ao nosso momento presente e no Norte de Portugal que havia uma coisa chamada "Encarnar a personagem". Não leram Stanislávski, podem nem ter ouvido falar dele, mas citam - sem querer, na benesse da ignorância - um termo seu.
Agora, como o pôr em prática... Aí não há vento tão forte que traga a resposta e é aqui que entra a tal experiência directa que, a não existir, torna-nos uns caretas abstractos.
A importância de se chamar habilitações
Ora bem, não julgo que as habilitações académicas - no pobre estado em que me parece estarmos - sejam muito importantes, mas...
lá por eu escrever neste blog ou ter livros franceses em casa isso dificilmente me torna habilitado a dar Português-Francês;
lá por ter familiares artistas plásticos e eu próprio ter uma carreira numa outra arte, isso não me habilita a dar um atelier de Artes Plásticas;
Lembro uma história: pediram ajuda a um senhor de teatro para formar um grupo de teatro. Ele perguntou porque não faziam eles um grupo de música
- É que não sabemos música...
- Mas teatro sabem?
Pede-se o mínimo, e o mínimo não é uma certa familiaridade, ou um conhecimento de vista, ou ter visto uma peça de teatro... O mínimo é experiência directa, cultura e conhecimento de técnica. O mínimo não é a fraude e, digo-vos, as situações apostas acima são reais e para mim configuram uma fraude. Só que não é um actor a dar Português-Francês, nem a dar Artes Plásticas, será antes o contrário.
Da histeria no teatro
Convenhamos numa coisa: qualquer acto (em) público é um acto teatral.
O que eu faço na rua, no café, numa cantina, no campus de uma universidade é lido, visto, recebido como se fosse um meu discurso. Intencional ou não.
Eu andar aos pinotes e aos gritinhos é visto como gritinhos e pinotes.
Muita gente no teatro - principalmente principiantes - descobre que afinal de contas pode dar gritinhos e pinotes, e fá-lo a torto e a direito, em especial quando vê outro igual.
Resultado: o mais claro acto teatral de se afirmar ao resto da sociedade que em teatro não só se dão muitos gritinhos e pinotes, como que reina histeria entre nós.
Porque não pode ser senão uma patologia este excesso de caretas e risos, súbito surgidos e súbito desaparecidos, como se houvesse um medo de não fazer nada. Uma espécie de overacting na vida real.
Irrita-me, irrita-me e dá-me uma medida muito crua da pessoa que o faz.
Alimenta-se assim a fama de os actores serem desregulados nevróticos, quando o actor não é este adolescente que descobre que afinal existe uma coisa chamada expressão e, que, por isso, tem que estar a dispará-la a toda a hora.
Tuesday, March 9, 2010
autobiografia teatral
Tenho 34 anos. Aos 19 candidatei-me a um curso superior de teatro. Antes disso tinha feito artes marciais (Choy Lee Fat e Tae Kwon Do) desde os 15 anos, de modo formal e informal. Percebi sem pensar muito nisso que para dominar as suas técnicas era preciso treinar até acertar. Treinava em casa.
Quando concorri ao curso de teatro soube que havia provas de acesso. Soube de que tratavam e desde o dia em que soube isso até ao dia das provas treinei-me em casa. Porque pensava que tinha que haver uma maneira de dominar melhor as técnicas. Entrei no curso. Fiz 3 anos + 1. Licenciatura.
Quando fiz o meu primeiro trabalho profissional de actor tinha 23 anos. Desde então trabalhei como actor pago com companhias e grupos, em Lisboa, Coimbra e mais raramente no Porto. Devo ter entrado em cena desde há 11 anos umas 300 ou 400 vezes.
Comprei desde que tenho dinheiro próprio perto de 300 livros de ou sobre teatro.
Mas...
Nunca soube o que fazer em cena. Nunca soube que raio de coisa havia eu de fazer. Nunca soube sequer como começar. Decorava texto, fazia o que me diziam, lembrava-me deste ou daquele ideal e lá soprasse o vento da sorte. Dava o melhor por parecer que era eu quem falava ou mexia e minhas as palavras e a vontade de mexer mas nunca tive a mais minima ideia do que fazer. Representava com o estatuto social de actor mas com os rudimentos de qualquer amador. Salvaguardado pela juventude, boa forma física e algum skill relacional - o que significa que conseguia encaixar facilmente em contextos onde me não conheciam.
Esta ignorância de que tinha consciência fez-me comichão e fez-me fazer formação extra, comprar livros extra. Meio por inquietação, meio por revolta. Porque balanço feito não tinha aprendido nada. Ou nada de útil: 300 ou 400 entradas em cena sem saber senão como copiar os movimentos feitos e dizer as palavras decoradas.
Desde então tenho pensado que a minha verdadeira escola foi o tempo e o treino que fiz a mim próprio. Porque isso continha em si o raciocínio: deve haver algo a fazer, uma técnica.
Durante a escola terei tido aulas de muitas coisas mas sei agora, depois de reflectir, que nem os que me deram aulas faziam sequer ideia do que fazer em cena. E aqui entramos no delicado da questão. Uma escola não tem na verdade como função formar, mas conceder o estatuto social de formado. Só isso pode explicar a minha inépcia final combinada com o facto de ter aulas nucleares com pessoas que nunca foram actores e de ter aulas com outros que acreditavam no talento (aquela coisa que nasce connosco e, que, portanto - ó paraíso dos preguiçosos - não se trabalha).
Fruto de um esquema social em que eu próprio corroborei eis-me passada uma década de me pagarem para representar, vários livros de recibos verdes depois, a começar a fazer coisas a solo e a pensar que raio e como raio vou fazer isto?.
Até ao ano passado. Até Agosto de 2009.
Fui a Itália, à cidade de Perugia, e ali fiz a formação que dava um russo de 60 anos chamado Guennadi Bogdanov. Ele dava a formação (inicial, inicialissima) de Biomecânica Teatral de Meyerhold. Coisa prática, de treino. Sete princípios de construção da acção física. Quando chegou ao fim a formação, no último minuto, estando nós na posição de prontidão - stoika - eu, cansado, extenuado, com os nervos estralhaçados, longe de casa, tive a vontade de chorar dos maratonistas ao chegar ao fim. Tinham sido não as duas semanas da formação mas 10 anos de dar com a cabeça nas paredes, de inépcia, quando a resposta estava ali tão perto.
Sete princípios para construír a acção e um pedagogo exigente mas brilhante.
Foi isso que bastou para fazer desabar o muro da ignorância. E mal sabia eu que mais havia de vir.
Em Fevereiro deste ano, a simplicidade e o exercício batem-me à porta ao fazer uma formação em Técnica da Máscara, com Nuno Pino Custódio. E tudo se compôs. A segmentação, uma acção de cada vez, o erro, a previsão, o olhar frontal e a relação com o público.
Vejam - foram anos e anos, centenas e milhares de euros gastos em livros, workshops, escolas, viagens e, no espaço de um ano, tudo se resolveu.
Mas dará Gennadi Bogdanov um diploma És um actor...?
Nuno Pino Custódio dará o grau de uma licenciatura?
Não, mas o que eles dão, em poucas horas ou dias é o que faz um actor fazer teatro. É o que faz um actor ser actor. É o que faz um actor poder criar e trabalhar e fazer algo que se vê logo que é teatro e não essa treta inominável de aquele tem talento...
Da completa falta de norte de quem vai para teatro
O que levará alguém a frequentar um curso de teatro?
O que me entristece é ver que em tantas formações aparecem candidatos a actores e actrizes cuja falta de habilidade, vontade, alegria em fazer o que dizem amar/indentificar-se/pretender é não só visível como constrangedora.
É constragedor ver alguém que está a sentir-se (ou a apresentar todos os sintomas de se sentir)constrangedor em cena.
É constrangedor e isto não vai mudar senão numa raridade de casos. Porque não há formação que supra a distância entre alguém e as suas ilusões:
Eu apaixonei-me pelo teatro
É o que eu mais quero fazer
Quero muito muito ser actor/actriz
E tudo o que vemos nega, desmente estas afirmações. Cosntrangimento em cima de constrangimento.
Vozes que não saem, corpos hirtos, caretas, vergonha em estar em palco e, no entanto
eu quero muito ser actor
o que eu mais quero no mundo é ser actriz
E na verdade esperam que um dia lhes seja dado o à-vontade, o conforto, a criatividade, o brilho nos olhos. Não será dado nunca. Serão dadas maneiras de se organizarem, de suarem, de levarem a gana que tenham mais longe.
Sem nenhuma gana, nada feito.
Vergonha gera vergonha.
Um professor que é aluno
Chegar atrasado;
Fazer estardalhaço à entrada;
Conversar durante a aula toda;
Usar o computador só para o messenger;
Reclamar por haver trabalhos para fazer;
Fazer estardalhaço à hora de saída - para dar a entender ao professor que a aula acabou ou deveria ter acabado;
Fazer estardalhaço ao sair
e tudo numa aula de Doutoramento
Isto a mim arrepia-me em alunos (de doutoramento)que são professores. Acredito que um professor deve ser exemplar: o que faz deve ser consentâneo com o que exige. Se um professor se vê na situação de aluno então na minha opinião deve proceder como espera/exige/requer aos seus alunos que o façam. Senão melhor, muito melhor. Um exemplo de excelência, técnica e ética.

