Tuesday, March 9, 2010

autobiografia teatral

Tenho 34 anos. Aos 19 candidatei-me a um curso superior de teatro. Antes disso tinha feito artes marciais (Choy Lee Fat e Tae Kwon Do) desde os 15 anos, de modo formal e informal. Percebi sem pensar muito nisso que para dominar as suas técnicas era preciso treinar até acertar. Treinava em casa.

Quando concorri ao curso de teatro soube que havia provas de acesso. Soube de que tratavam e desde o dia em que soube isso até ao dia das provas treinei-me em casa. Porque pensava que tinha que haver uma maneira de dominar melhor as técnicas. Entrei no curso. Fiz 3 anos + 1. Licenciatura.

Quando fiz o meu primeiro trabalho profissional de actor tinha 23 anos. Desde então trabalhei como actor pago com companhias e grupos, em Lisboa, Coimbra e mais raramente no Porto. Devo ter entrado em cena desde há 11 anos umas 300 ou 400 vezes.

Comprei desde que tenho dinheiro próprio perto de 300 livros de ou sobre teatro.

Mas...

Nunca soube o que fazer em cena. Nunca soube que raio de coisa havia eu de fazer. Nunca soube sequer como começar. Decorava texto, fazia o que me diziam, lembrava-me deste ou daquele ideal e lá soprasse o vento da sorte. Dava o melhor por parecer que era eu quem falava ou mexia e minhas as palavras e a vontade de mexer mas nunca tive a mais minima ideia do que fazer. Representava com o estatuto social de actor mas com os rudimentos de qualquer amador. Salvaguardado pela juventude, boa forma física e algum skill relacional - o que significa que conseguia encaixar facilmente em contextos onde me não conheciam.

Esta ignorância de que tinha consciência fez-me comichão e fez-me fazer formação extra, comprar livros extra. Meio por inquietação, meio por revolta. Porque balanço feito não tinha aprendido nada. Ou nada de útil: 300 ou 400 entradas em cena sem saber senão como copiar os movimentos feitos e dizer as palavras decoradas.

Desde então tenho pensado que a minha verdadeira escola foi o tempo e o treino que fiz a mim próprio. Porque isso continha em si o raciocínio: deve haver algo a fazer, uma técnica.

Durante a escola terei tido aulas de muitas coisas mas sei agora, depois de reflectir, que nem os que me deram aulas faziam sequer ideia do que fazer em cena. E aqui entramos no delicado da questão. Uma escola não tem na verdade como função formar, mas conceder o estatuto social de formado. Só isso pode explicar a minha inépcia final combinada com o facto de ter aulas nucleares com pessoas que nunca foram actores e de ter aulas com outros que acreditavam no talento (aquela coisa que nasce connosco e, que, portanto - ó paraíso dos preguiçosos - não se trabalha).

Fruto de um esquema social em que eu próprio corroborei eis-me passada uma década de me pagarem para representar, vários livros de recibos verdes depois, a começar a fazer coisas a solo e a pensar que raio e como raio vou fazer isto?.

Até ao ano passado. Até Agosto de 2009.

Fui a Itália, à cidade de Perugia, e ali fiz a formação que dava um russo de 60 anos chamado Guennadi Bogdanov. Ele dava a formação (inicial, inicialissima) de Biomecânica Teatral de Meyerhold. Coisa prática, de treino. Sete princípios de construção da acção física. Quando chegou ao fim a formação, no último minuto, estando nós na posição de prontidão - stoika - eu, cansado, extenuado, com os nervos estralhaçados, longe de casa, tive a vontade de chorar dos maratonistas ao chegar ao fim. Tinham sido não as duas semanas da formação mas 10 anos de dar com a cabeça nas paredes, de inépcia, quando a resposta estava ali tão perto.

Sete princípios para construír a acção e um pedagogo exigente mas brilhante.
Foi isso que bastou para fazer desabar o muro da ignorância. E mal sabia eu que mais havia de vir.

Em Fevereiro deste ano, a simplicidade e o exercício batem-me à porta ao fazer uma formação em Técnica da Máscara, com Nuno Pino Custódio. E tudo se compôs. A segmentação, uma acção de cada vez, o erro, a previsão, o olhar frontal e a relação com o público.

Vejam - foram anos e anos, centenas e milhares de euros gastos em livros, workshops, escolas, viagens e, no espaço de um ano, tudo se resolveu.

Mas dará Gennadi Bogdanov um diploma És um actor...?
Nuno Pino Custódio dará o grau de uma licenciatura?

Não, mas o que eles dão, em poucas horas ou dias é o que faz um actor fazer teatro. É o que faz um actor ser actor. É o que faz um actor poder criar e trabalhar e fazer algo que se vê logo que é teatro e não essa treta inominável de aquele tem talento...

Ditulis Oleh : Unknown // 7:47 AM
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