Monday, October 29, 2007

"Está mal feito" ou a Verosimilhança

Porque será que dizemos "Está mal feito" quando nos desagrada um filme a meio, e nos desinteressa de imediato, deixando-nos mal-dispostos?

A que nos referimos ao certo quando dizemos que aquele momento, cena, gesto, situação estava "mal feito"?

"Está mal feito."

A resposta a isto é... Jogo.
E poderíamos porventura dizê-lo de outra maneira: verosimilhança.

Recuemos um pouco, ao actor. O que fazemos, quando fazemos teatro, é um jogo. É um jogo em que as regras são da coerência ao ponto de partida. É assim a brincar às corridas de carros, com carrinhos pequeninos, e é assim a fazer de Hamlet. Nem os carros começam a voar, nem Hamlet voará muito menos. Porquê? Porque não é essa a brincadeira. Porque isso não bateria certo com a brincadeira, com o faz-de-conta instituído no momento.

As coisas podem até desenvolver-se e modificar-se mas assim como os jogadores de Andebol não poderão, de repente, começar a jogar pontapeando a bola (pois esse não é o jogo deles) no faz-de-conta (ou nos jogos de simulacro, para ser mais claro) não se poderá mudar a regra, que é a da verosimilhança.

Verosimilhança é parecer verdadeiro. Seja o que for, seja Hamlet ou um Dinossauro.

Brincamos às pistolas, aos Índios e aos Cowboys, e é neste contexto - com as características de uns e outros - que brincaremos; qualquer desvio (o índio desatar a disparar com pistola, por exemplo) terá que ser muito bem justificado, muito bem defendido, de acordo com a coerência do ponto de partida ("este índio apanhou uma espingarda que estava no chão e era de um cowboy morto..." e etc). Sob pena de se quebrar a fantasia e esse tabuleiro invisível em que brincam os jogadores.

A verosimilhança é, portanto, o contexto a que os jogadores/actores obedecem e a partir do qual fazem desenvolver o jogo. Contexto fantasioso que existe em igual medida para o espectador, que é um jogador que não intervém, apenas assiste.

No jogo de faz-de-conta (uma peça, um filme...) é pedido ao espectador que vá na história, que acompanhe, que também faça de conta que aquele que vemos ali é Hamlet, que aquilo é um castelo na Dinamarca; ou que estamos a ver duas naves espaciais a lutarem em pleno céu galáctico. Ou um Dinossauro gigante a atacar uma cidade.

Ao espectador é-lhe pedido isto e isto já é muito. É uma espécie de procedimento para entrar no reino do simulacro, do faz-de-conta. E enquanto espectadores cedemos o mais infantil de nós, a nossa vontade de fantasiar, como quem cede os sapatos à entrada de uma casa especial. Mas é apenas um empréstimo...

Ele - o espectador - ao assistir joga e vibra e espera porque acredita e quer acreditar. Para o fazer parte do mesmo ponto de partida dos jogadores que intervêem.

Se o acordo com o espectador for quebrado, então nada feito. Se o desenvolvimento da fantasia for feito a revelia dele, se ele não assistir, não acompanhar nem tomar parte então acusará a quebra da regra da coerência e da verosimilhança com a fantasia e dirá, não jogando mais, ultrajado por ter sido enganado "Está mal feito".

"Está mal feito" significa "Não brinco mais".

Ditulis Oleh : Unknown // 4:10 AM
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