O actor tem uma técnica. Assim como a tem um violoncelista, assim como tem um pintor. É uma técnica de composição, de arrumação, de organização de elementos por um lado e, por outro, é ao mesmo tempo uma psicotécnica, uma técnica para si mesmo, uma técnica para estimular a sua imaginação.
Ou seja, técnica é organização e imaginação: disposição dos elementos sob muitas formas, formas essas que despertam constantemente algo vivo em quem as faz, neste caso no actor. Se for somente execução, somente organização, é coisa sem significado. Poder-se-á fazer os gestos e movimentos todos e dizer as palavras todas e mesmo assim não se terá uma verdadeira interpretação, uma criação (senão nada mais que alguém a fazer todos os gestos e movimentos e a dizer todas as palavras, mesmo que sejam muito bem ditas as palavras e muito bem marcados os gestos).
Porque uma criação em teatro é uma constante recriação, é um acender, é um crepitar de uma fogueira algures dentro dos olhos, bem lá atrás, perto da memória, uma fogueira de índios e cowboys, uma fogueira de pradaria, uma fogueira que ilumina a noite cinzenta do nada, que ilumina, como farol, os caminhos que se pensavam batidos da realidade, da nossa realidade.
Ter técnica, verdadeira psicotécnica, é conseguir fazer boas interpretações, verdadeiras criações. Ter técnica é saber dispôr as coisas, jogar com as peças, jogar com essas variáveis que envolvem voz e corpo, mas sempre ao serviço da imaginação - para que faísque mais outra coisa, como frase que vem atrás de frase quando se escreve ou quando, mais corriqueiramente, se conversa.
Que essa técnica seja aprendida (por livros, por observação, por ensino, por conversas, por ideias que se se tem ou conclusões que se tira) não há dúvida, mas também não há dúvida que esse domínio, essa ginástica de baralhar e voltar a dar tem que ser habituado, usado, ginasticado. A mão que serve as cartas (que neste caso é a mão, o pé, e o resto do corpo e voz do actor) tem que estar com os seus dedinhos todos articulados, ágeis, muito bem habituados, vivos, sempre a brincarem com a imaginação. Isto é o Training. É estar em forma com a sua psicotécnica.
Seja que técnica for (ou modo, estilo, estética de organizar palavras e gestos) ou mistura delas, sejam técnicas inventadas, técnicas deduzidas de um tratado, de uma outra interpretação ou mesmo técnicas ditadas por Deus, essa técnica a não ser exercitada perde-se, enfarinha-se e esquece-se. Training. Nisto o actor é como um atleta: se não corre, deixa de conseguir correr. Se não se exercita com as suas possibilidades, então perde a mão. E passamos a ter um violoncelista com mão bôta, ou um actor que (no seu melhor) fará o que lhe mandam, sem que possa fazer o que faz um actor que é meter-se dentro de palavras e de movimentos.
Há muitos Trainings, assim como há muitas técnicas, e todos são válidos se despertarem a imaginação e todos são inúteis se não o fizerem. Seja qual for a pedagogia, ou a abordagem que se prefira, se não excitam ideias, vontades e novas possibilidades, se a imaginação - como um rio - não está habituada a descobrir novos caminhos, então essa prática é seca e árida e mais vale largar para ler um bom livro.
É que Training é como a técnica, se não serve para a criação, então não serve para nada.
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Friday, October 12, 2007
Técnica e Training
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