Todos precisamos de um espectador, precisamos dele para desafio, para empurrão, para alavanca, para magnificar as nossas acções. A voz (seja ela falada ou escrita) sai mais sonora, mais grandiloquente, mais importante, e as acções são mais derradeiras, mais importantes, mais fatais, mais sedutoras.
Precisamos de espectadores porque esse é como que o nosso próprio olhar, o nosso próprio mirar sobre nós mesmos: agimos perante outros com o mais forte ou o mais desgarrado de nós mesmos (que às vezes pode não ser o melhor de nós, é certo). Precisamos de um espectador para que ganhe importância, eco, razão de ser o que fazemos; é sempre para alguém que criamos, que falamos, que publicamos, que tornamos público qualquer coisa; é sempre para alguém e é preciso haver esse alguém. Mas isto não sempre, nem desde sempre; o espectador não pode existir sempre. É preciso haver o recuo do cão da espingarda para que esta dispare.
Na nossa relação com o espectador nem tudo poderá ser sempre privado e nem tudo poderá ser sempre público. Antes do espectador virá a fome de espectador: há um processo antes, há um tempo de recuo, de preparação, de ânsia se preferirem; será preciso ir até ao formigueiro ou até que se sinta vontade de sair da sala e de fazer sair da gaveta (real ou simbólica) textos e folhas albinas de não verem sol. Mas para que aconteça esse disparo da espingarda e essa gana de falar (e fazê-lo em público) é indispensável o tal recuo, ou retiro, ou tempo isolado de espera activa, de treino, de fortalecimento, de estimulação. E assim como quando as pernas saem a correr depois de só o fazermos insistentemente num mesmo ponto, como tivessem vontade própria ou fome, assim será com a nossa vontade criativa, que precisa enfim - depois de saltar medos e incertezas - de ir, quase furiosamente, ao encontro de alguém.

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