Tuesday, July 19, 2011

Lou Reed e a condução de electrões



Há dias disseram-me que o choque de electricidade que sentimos ao tocar no carro depois de um passeio deve-se a electrões que foram roubados ao carro e que não se recuperaram senão ao tocarmos nele. Caso houvesse um contacto com a terra isso aconteceria, mas pneus, solas dos sapatos e tudo o mais é material não condutor.

É preciso um contacto com a terra para conduzir o trânsito dos electrões. E conduzir esse "caustic dread" de que fala Lou Reed. Sob pena de haver sempre choques.

São só electrões desavindos. Só isso. Irão todas para a terra agora que sabemos isso.

Obrigado.

Monday, July 11, 2011

O travão

Este é um conceito e ferramenta fundamental. A maior parte das pessoas não a tem ou não a tem conscientemente. A menor parte que a tem são por exemplo artistas marciais. O travão é a contenção, é saber reter-se, nos movimentos, nas palavras, na atenção.

Tenho visto gente adulta sem travão ou na língua ou nas acções, tenho visto muitas e muitas sessões de trabalho serem comprometidas por falta de travão.

Mas a realidade é que para se usar o travão é preciso uma grande atenção ao que se faz, e disciplina sobre o que se faz e quando se faz. E isso a maior parte das pessoas não está à vontade para fazer pois ainda impera o princípio da satisfação imediata: eu falo o que me vem à cabeça, eu faço o que me apetece, eu não me refreio.

As consequências para o trabalho são estas - não se trabalha. Porque nunca realmente se submete os nossos apetites ao propósito maior.

Ninguém ainda - senão uma pequena amostra de gente empenhada - percebe que o travão é indispensável no trabalho e que o trabalho (leia-se teatro) não é a vida, e que na vida corro apenas o risco de parecer e ser um cretino se fizer e disser o que me apetece no instante em que me apetece, mas no trabalho (leia-se teatro) tenho que refrear as minhas distracções, as minhas palavras e todas as minhas acções. Sabendo o que devo fazer, com quem devo fazê-lo e qual é o meu lugar.

Um exemplo comum de falta de travão é a ilusão da encenação colectiva: todos têm uma palavra a dizer sobre o que se deve fazer. Quando essa palavra é do encenador.

Outro exemplo vulgar de falta de travão é a conversa paralela entre alunos: têm algo de muito urgente a dizer um ao outro, quando a palavra é do professor e deve ser sobre assuntos da aula.

Ainda outro exemplo transversal: o telemóvel e tudo o que o envolva, da necessidade urgente em ver mensagens à preponderância da chamada (real ou eminente) sobre qualquer acontecimento terrestre, ensaios e aulas incluídos.

O travão é freio, é contenção, é exercido sobre tudo em nós, do físico ao psicológico. Visa pôr-nos a fazer o que é suposto fazermos, pretende ajudar-nos a estar nos carris.

Se estiver sempre a saltar para aqui e acolá, nunca estou pronto para o que devo fazer e nunca o farei bem.

E no que diz respeito ao teatro isto é claro: não se liga um actor dizendo "cria!", é necessário toda um periodo de acomodação. Que só se consegue com travão. Estar cedo no ensaio é ter travão, estar calado é ter travão, ouvir é ter travão. Para criar é preciso travão.


Nota: o travão também é conhecido mais genérica e abractamente por educação. No fundamental, e sem entrar em definções do mecanismo, é a mesma coisa e alguém com travão será sempre conhcido como pessoa educada.

Agradecimento a todos os mecanismos de educação pela presença de travão em mim e pela clamorosa ausência na esmagadora maioria dos seres humanos

Queria agradecer aos meus pais, aos meus professores de artes marciais (em especial a Joaquim Peixoto do Tae Kwon Do) e finalmente a Guennadi Bogdanov por me ensinarem o que é o travão e como travar-me. Coisa que me tem sido útil social e artisticamente. Para não dizer indispensável.

Queria agradecer a todos os sistemas de ensino, do pré-primário ao superior; dos milhares de pais às figuras exemplares públicas e privadas que não ensinaram, não têm ensinado e não vão ensinar a esmagadora maioria de seres humanos que vejo a não terem travão nem a travar-se.

Gostaria de agradecer o tipo de sociedade para o qual fui educado e que não existe, onde o egoísmo de cada seria refreado e educado.

Gostaria de agradecer a legiões e legiões de gente que me tem provado que vivemos num estado bárbaro, social e psicologicamente.

Agradeço também todos os momentos em que tive que me colocar em apuros ao preferir que o egoísmo de alguém não atropele a vida de quem nada tem a ver com isso. Agradeço duplamente pois duplamente me senti injustiçado pois depois de fazer algo quanto a isso me senti injustiçado e qualquer coisa mais, sempre de desgaste.

Gostaria de agradecer à mais completa falta de educação, cuidado, atenção que grassa de alto a baixo, desde o adolescente insuportável ao adulto autoritário. Gostaria de agradecer a todos os espécimes de gente humana que me têm envergonhado e que contudo se sentem incomodados por me sentir incomodado.

Gostaria também de agradecer a todas as situações de conflito que isto me tem dado, porque me lembra sempre a tal sociedade para a qual fui criado e que em Portugal não existe concerteza, mas que alimenta a minha fé num qualquer país estrangeiro.

Queria muito agradecer a todos os outros incomodados que nem as minhas acções disparatadas fizeram, e deixaram que acontecesse o que acontece sempre. Quero agradecer a esses especialmente pois o bom-senso afinal não é tudo e a ideia de sujar as mãos ou dar um passo repugna muita boa gente.

Quero agradecer à população em geral por tudo o que fazem (da menor para a maior escala) pensando que estão em casa, que o mundo é seu, que o ar é sua propriedade e que o outro é uma ilusão de óptica.

Só tenho pena de nunca nunca saber o que fazer e contudo meter-me em apuros, sempre desajeitado, a preferir não fazer de conta que não se passa nada e que não é um abuso.

Só tenho pena de me terem ensinado valores os meus pais, gestos técnicos e príncipios Joaquim Peixoto no Tae Kwon Do e Guennadi Bogdanov na Biomecânica. Só tenho pena de não me poderem ensinar as palavras mais certas, o olhar mais eficaz, para que não esteja sempre a sentir-me um pinheiro de Natal quando pergunto a um bárbaro se seria possível deixar de ser bárbaro.

Friday, July 8, 2011

Beber álcool antes de um ensaio, em grupo

Fará bem, fará mal?

Para conduzir uma viatura não devemos ter mais de x álcool no sangue - e no hálito. Porque isso afecta os nossos sentidos e capacidade de reacção. Porque há-de ser diferente para a criação?

Voltamos uma vez mais à distinção entre vida e teatro. Uma coisa é uma jantarada com amigos, outra coisa é saber o que comer e beber porque vou ensaiar em seguida.

Se temos cuidado com o nosso hálito por receio de operações stop porque não o teremos por causa do nosso trabalho em grupo?

E se não vos convencer o argumento rodoviário acrescento que é asqueroso contracenar ou estar nas cercanias de alguém com bafo alcoólico.

E se têm mesmo que beber porque isso faz parte da vossa inalienável maneira de ser, então isso tem o nome de alcoolismo. E um actor não pode ser alcoólico.

A distracção é como as cerejas, em ensaio

Uma sala de ensaio é uma sala de ensaio. Muita gente tem receio de salas assim pois mesmo sem o saberem cabalmente pressentem que a sala pede que sejamos severos connosco próprios e a maior parte das pessoas não está para aí voltada.

Mas esse esforço de severidade visa preparar-nos para ensaiar, para criar. E a distracção é o primeiro insecto a abater: a roupa do vizinho, ruídos, sussurros, cheiros até. Porque se não se erradica a distracção vem daí o pequeno caos virulento de uma coisa levar a outra, um comentário gera outro, uma conversa gera outra e depois andamos a comparar telemóveis e blutooth e os megapixel da máquina fotográfica...

Quando se sabe que a distracção num ensaio desvia-nos de ensaiar, então é tudo mais fácil. Pelo menos entre pessoas de bom carácter.

As horas para um actor dentro de um grupo

Quando combino um café com um amigo meu é justo que fique aborrecido, eu ou o meu amigo, se um de nós se atrasar. É verdade que hoje há telemóveis e avisamos que estamos a caminho, que algo nos reteve, que isto ou que aquilo. Mas não podemos dizer ao amigo (ou ele a nós) vai tomando o café que eu quando chegar apanho-te onde estiveres. Porque é um encontro que se faz com as duas pessoas e isto não faz sentido.

Com um ensaio, e em grupo, isto não só é o mesmo como é muito mais delicado: porque combinamos horas para criar. Para criarmos juntos, vejam bem. Muito para lá de uma conversa, de um café, muito perto de um encontro amoroso. Dizemos a que horas começaremos a criar? E... se um se atrasa, falta ou dá um pontapé a essa combinação isso acabou de tirar o tapete à criação. E aqui também não se pode dizer vai criando sem mim que quando eu chegar apanho-te onde estiveres.

Por isso os actores devem ser exemplares com as suas combinações, com as suas horas. Esse é o primeiro critério de fiabilidade por que um actor é avaliado entre pares. E é também o primeiro indício do respeito que tem pela criação.

Friday, July 1, 2011

Telemóvel = Tamagotchi?

Há uns anos havia aqueles brinquedos que precisavam de atenção: Tamagotchi. Tinha que se alimentar, dar carinho e ver se estavam bem.

Hoje em dia o Tamagotchi é o telemóvel: por algum motivo bizarro muita gente precisa de ver constantemente* se ele está bem - vão espreitar se ainda respira, tiram-no cuidadosamente do seu bolso no saco ou nas calças e, só depois de confirmarem que ainda dorme e que não aparenta nenhum sinal de doença, podem continuar a fazer o que faziam.

Em alguns casos essa coisa que faziam é ensaiar.

(Vê-se bem que para ver se o telemóvel está vivo descuidam completamente o vivo que devia ser o seu processo de criação.)

*como se estranhassem por exemplo o mundo não lhes ligar nenhuma nas horas de ensaio.

O bem comum ou ética para um professor

Numa escola em que dou aulas há professores que clamam que há muitos anos dão uma bibliografia que ainda não existe (leia-se: foi adquirida) na biblioteca. É claro que as bibliotecas deveriam estar fornecidas dos títulos pertinentes de cada área, é evidente que os alunos precisam de ter títulos acessíveis, é tudo muito bom...

Mas a verdade é que há professores que dizem publicamente estar há anos a reenviar os alunos para uma bibliografia a que os alunos não têm acesso. Isto para mim é grave: que aconteça uma vez compreende-se mas depois um professor deve raciocionar se isto beneficia as aulas, se isto está a funcionar para o bem comum.

Eu enfrentei o mesmo problema e resolvi o mesmo problema; há anos que contraponho "os livros que não havia comprei-os eu e agora estão na biblioteca". Como os alunos pagam o que ganho pensei em tempos reeinvestir algum desse dinheiro e esperei, procurei e encontrei os títulos mais indispensáveis.

O que ganho eu com isto? Estão lá os livros.
O que ganham os professores cujas bibliografias continuam inexistentes? O orgulho de repetirem publicamente que os livros na biblioteca não existem e que alguém devia resolver esse problema.

Eu acredito que esse alguém muitas vezes devemos ser nós.

Thursday, June 30, 2011

Aquecimento para teatro

Não tenho visto ninguém que saiba aquecer, e isto acontece porque ninguém sabe o que vai fazer e o que é necessário para o que vai fazer.

É claro que isto necessita raciocínio e não nasce de um dia para o outro: aquecer para representar é diferente de aquecer para correr, lutar, nadar... Porquê? porque temos variáveis diferentes e competências diferentes.

Rodar a cabeça, os joelhos, a bacia, um pouco os braços, fazer estiramentos (no chão!) é muito bonito mas não serve a um actor, não é o seu mecanismo, não há uma relação com o que ele fará. Só mexe músculos, nada mais.

É necessário começar a pensar
no espaço
nas outras pessoas
no ritmo
na acção voluntária
na tarefa dada por si próprio
no espectador

É imperioso que eu me desloque no espaço que depois na cena devo atravessar; que eu crie ritmos nos meus movimentos; que eu comece dos pés para a cabeça (pois os pés são o princípio da acção); que eu experimente a amplitude de possibilidades de torções e formas do meu corpo (para estar pronto a produzi-las na cena); que eu imagine sempre qual é o plano que estou a mostrar ao espectador (e que portanto eu imagine onde está o espectador em cada movimento); que eu mostre claramente qual é a minha tarefa/exercício (pois é isso que vou fazer em cena - mostrar); é urgente que eu me mantenha atento e me contenha de distracções durante o aquecimento (pois aí já eu começo a representar).

Rodar articulações com pastilha elástica, ou a conversar para o lado, não é um aquecimento, é uma anedota.

Temos que pensar no que vamos fazer para nos prepararmos.

Como se vai vestido para um ensaio

Isto importa? Importará se a roupa com que eu quero ser visto na minha vida real é a roupa com que vou para/faço um ensaio: calções, saias, óculos escuros, sandálias, sapatos altos...

Precisamos sempre de fazer a distinção entre vida e trabalho, e a distinção entre o que serve que objectivo. Quando eu escolho a minha roupa para cada dia tomo em consideração várias coisas, mas essas serão necessariamente diferentes de escolher roupas para um ensaio. Porque num ensaio eu não devo

a) estar a pensar na roupa que levo
b) levar os outros a pensar na roupa que levo

Ou seja, preparo-me para fazer tudo e a minha roupa é um instrumento para isso, não me preocupo com sujar, rasgar, alargar e muito menos com distrair: procuro que a minha roupa não atraia atenções porque - ao contrário da vida quotidiana de várias pessoas - esse não é o objectivo durante o processo de criação.

O que na vida real pode surpreender comentários, elogios ou piropos é poluição num ensaio, pois a atenção desviou-se do que eu faço/crio para o que eu levo/uso.

É claro que muitas pessoas preferem a sua própria vaidade ao que fazem/criam.

Então que roupa será adequada levar para um ensaio, para trabalhar cenas e teatro?
- procuramos algo que permita todo o espectro do actor, que permita todos os movimentos (correr, flectir, rastejar, saltar, lutar...), que permita que eu não pense senão no que faço (que seja desvinculado de memórias, associações...), que permita que os outros possam ver em mim o que eu quero (logo não tem signos, nem desenhos, nem é muito apertado nem muito largo pois isso afecta a expressividade).

Queremos para cada ensaio um fato de trabalho, um uniforme.

Se acham isto algo radicalizado acreditem que os cuidados em não se suar a blusa, em não ajoelhar por causa dos calções, em andar com vagar por causa dos saltos assim o pedem.

Livro do Dia: Teatro 3 de Bertolt Brecht

Deste livro, para este nosso tempo, destaquemos A Mãe (que vimos numa estupenda criação da Companhia de Teatro de Almada). A Mãe que faz a sua aprendizagem política em tempos difíceis para ela, toda a peça é a sua aprendizagem ou tomada de consciência. E agora, entre nós isso talvez seja mais necessário que nunca



Este é o terceiro volume de uma colecção que se pretendia de oito volumes, no entanto - apesar do óptimo projecto da Editora Cotovia e da brechtiana Vera San Payo de Lemos - ficámos desde 2006 pelo 4º...

Wednesday, June 29, 2011

"Estar" num ensaio

Eu antes não sabia estar num ensaio. Não sabia como me havia de comportar. É claro que as artes marciais me ensinaram qualquer coisa a este respeito: fechar a boca, conter o corpo e ouvir. Mas ainda não sabia o que fazer, apenas o que não fazer. Isto já foi uma grande ajuda para quando aprendi a estar num ensaio, com Guennadi Bogdanov.

Antes do mais vejamos o que se passa num ensaio: tentamos coisas, lançamos hipóteses de cenas, de gestos, de tempos, de timings. E fazêmo-lo sempre a mirar o espectáculo, a pensar "vai ser assim". Mas muitas vezes não nos lembramos de que o que fazemos em ensaio será o que faremos frente a um público: não apenas as formas mas os comportamentos. Se formos desleixados sê-lo-emos depois - se formos moles, distraídos, se nos interrompermos sempre, ou se por outro lado formos contidos, ou atentos, ou pormenorizados sê-lo-emos em espectáculo. Porque o milagre do salto quântico do ensaio para espectáculo não existe. Portanto em ensaio a minha relação com o espectáculo está a ser treinada: se estiver ao telemóvel sempre, se chegar atrasado, se preferir sentar-me, se me acontecer conversar com o colega sobre trivialidades acontece isto:

a) não estou pronto para criar
b) em espectáculo vai perceber-se isto mesmo

Portanto, com Bogdanov percebi que a aula é simulaçâo de ensaio, que o ensaio é simulação do espectáculo, e que posso treinar a relação que quero com o espectáculo.

E como não quero que a minha relação seja de desleixo e que depois digam de mim "olha aquele actor estava a marimbar-se para a cena" eu comporto-me como acho que devo*. Sempre.

Depois acaba o ensaio e posso falar de tudo, sentar-me, pegar no telemóvel, distrair-me (ou permitir-me distracções).

*fazermos o necessário para treinar a nossa relação com o espectáculo é que é, na minha opinião, saber "estar" num ensaio. Pode difeir de pessoa para pessoa, mas é sempre consciente e é sempre uma coisa que não é pessoal como são pessoais as conversas triviais. É trabalho.

Livro do Dia: Breve História do Teatro Português, de Luiz Francisco Rebello

Este livro é capaz de ser dos mais pequenos do seu autor, que por sua vez é um dos maiores autores de Portugal.

Luiz Francisco Rebello é o maior teatrólogo e historiador de teatro português de que tenho conhecimento: nascido em 1924 tem sido dramaturgo, historiador, teatrólogo e editor de teatro.

Esteve na origem do Teatro-Estúdio do Salitre (de que ninguém fala) que provavelmente nos anos 40 foi o percursor do teatro experimental português das décadas de 60, 70 e 80. Luiz Francisco Rebello além de especialista em direitos de autor também foi durante muitos anos presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, de onde saiu acusado de fraude, no que infelizmente lhe mancha o percurso.

O livro que ora apresentamos é um livrinho barato, de bolso e completissimo. E ainda está à venda. A não perder para qualquer pessoa interessada em teatro.

Monday, June 20, 2011

Pierre Voltz (1933 - 2011)

A morte vai e volta, colhendo sempre. Não falha, pode atrasar mas vem sempre. Toda uma geração está a ser colhida, porque tem de ser. Toda uma geração que nos formou e nos antecedeu, em grandeza: Isabel Alves Costa por exemplo, e agora um seu mestre - Pierre Voltz.

Pierre Voltz era encenador e professor de várias áreas ligadas às comunidades, ao teatro de estudantes e à voz.

Se encontrarem o Dictionaire encyclopédique du Théâtre (dir. Michel Corvin)a entrada sobre a Voz é de Pierre Voltz que começa assim

Voix. On peut approcher la définition de la voix humaine par deux biais différents: comme objet, c´est l´ensemble des sons produits par le gosier humain, tels qu´ils peuvent être perçus par une oreille extérieure (ou tels que les restituent un enregistrement); comme agent, c´est l´organe produteur de ces sons, élément du corps humain que les produit.
(pg. 1722)

Eu aprendi muito com este homem. Obrigado e adeus.

Saturday, June 4, 2011

Livro do Dia: Dynamic Stretching and Kicking, de Bill "Superfoot" Wallace

Este será talvez um livro improvável para pessoas de teatro mas extraodinário para quem trabalhe com o corpo e aprecie artes marciais: Bill Wallace* tem um conhecimento clarissimo do trabalho e mecânica dos músculos, do modo de os tornar muito flexiveis e também de como - usando um repertório reduzido de movimentos (pontapés) - se pode ser muito eficiente.

A sua história é tão curiosa como a sua abordagem: depois de um acidente no Judo a sua perna direita ficou inviabilizada para o Karate (onde se especializou depois). No entanto usando somente a perna esquerda para pontapear desenvolveu 3 dos pontapés possíveis (lateral, circular e em gancho) muito rápidos.

* "Superfoot" porque a sua perna esquerda é de facto incrivelmente rápida.



stretching



kicking



Há quem argumente que um actor deve poder fazer a espargata (entre outras competências), por isso porque não tentar?

Friday, June 3, 2011

Livro do Dia: Make Acting Work, de Chrys Salt

Ora bem: estudamos (uns mais que outros), preparamo-nos, pensamos e projectamos entrar para a profissão, mas como o fazemos? Como apresentamos quem somos e o que fazemos em castings, leituras, pequenos filmes?

Este livro diz-nos isso e também a terrível verdade: é-se actor quando se trabalha (e só aí).

Thursday, June 2, 2011

Livro do Dia: Threads of Time - A Memoir, de Peter Brook

Este é um livro não só importante como muito agradável. O seu autor, Peter Brook, antigo (n. 1925), influente e inovador encenador e realizador inglês, leva-nos pela sua vida com a clareza, o humor e a delicadeza dos seus outros textos.



Se pudesse haver outra forma de dizer o quanto admiro este homem di-lo-ia.

Saturday, May 28, 2011

Livro do Dia: As Mãos Sujas, de Jean-Paul Sartre

Recomendado por amigos peguei nesta peça que tinha mas não lera. Tinha-a comprado num alfarrabista e aguardava-me a surpresa de uma escrita incrível, dilemas a sério, uma resistência (literal e figurada) e pela primeira vez que eu tenha lido em teatro um olhar crítico sobre todos os lados políticos.



Numa edição deliciosamente antiguinha da Europa-América (e tradução de António Coimbra Martins, que traduz algumas outras da peças de Sartre na mesma editora).

Thursday, May 26, 2011

Livro do Dia: Novos Rumos do Teatro

Este livro é especial:



Não só é especial por falar de novos rumos (que o eram na altura da sua edição em 1979) como foi o primeiro livro sobre teatro que li. Falar de Living Theatre, Teatro total, Pan pânico para um jovenzito foi uma surpresa.

Para que se veja a actualidade (e especialidade) deste livro no fim constam várias definições do vocabulário, entre as quais Biomecânica: "Conceito da arte de interpretar criada por V.E. Meyerhold (1874-1940) que rechaça o naturalismo e a atuação psicológica do método de Stanislavski. Os exercícios biomecânicos acentuam a interpretação exterior, física, quase acrobática, na ideia de que o actor deve ser um virtuoso do instrumento que é seu corpo."

Como dar cabo da performance de um poema?

Ontem vi darem cabo de um poema.
Não pelos motivos habituais (entoações ingénuas, falta de interpretação, ignorância da estrutura em versos...) não, foi depois.

O poema estava bem dito, bastante bem dito até. Mas a rapariga que o disse só o sabia dizer mas não sabia controlar o momento teatral em que estava: no fim, acabado o poema, com os justos aplausos, tomada pela emoção (ou por um pudor, ou até altivez) virou a cara aos aplausos.

O poema ficava destruído por aquele gesto. Porque afinal aplaudíamos para nada, a intérprete não aceitava. Eu parei imediatamente. Por muito bom que tivesse sido nunca poderia haver (uma recusa) senão uma aceitação de "eu fiz isto e acredito no que fiz, julguem-me como quiserem, este é o meu peito".

Nunca tinha pensado nisto e, portanto, mais ou menos altiva, agradeço-lhe.

Wednesday, May 25, 2011

Como é a pedagogia de Guennadi Bogdanov?

Guennadi Bogdanov ao preparar o aluno/actor usa uma pedagogia muito simples e eficaz: dá tarefas e tempo (esperando).

O aluno/actor bate com a cabeça na parede durante o tempo necessário, autonomamente vai batendo mais com a cabeça na parede até resolver o exercício - sua tarefa. Sem explicações senão qual a tarefa.

O que dá isto?
Dá crescimento. O aluno/actor descobre como se faz. Assim como o encenador que pede ao actor para fazer algo e o actor trabalha dentro de si como o fazer.

Os alunos hábeis resolvem rapidamente, os menos hábeis (ou os que pensam ser impossível a tarefa) olham em volta e aprendem vendo os melhores. Sem explicações, só inteligência, ou do corpo ou do olhar que procura respostas.

Com Bogdanov os alunos aprendem, não são ensinados*.


*Isto vale sobretudo para a preparação, o chamado treino - aprendizagem do seu corpo e da sua organização - que antecede a técnica e os princípios técnicos da Biomecânica. Que estes são explicados e transmitidos com uma aplitude de conceitos verdadeiramente estarrecedora.


Como é estudar com Guennadi Bogdanov?

Guennadi (ou Gennadi) Bogdanov é um professor de biomecânica, ou mais especificamente da Biomecânica Teatral de Meierhold (ou Meyerhold, ou até Mejerchol´d).

Estudar com ele é simultaneamente duro e gratificante. É duro não pelos exercícios exigentes (sejam de coordenação, força, equilibrio, ritmo, precisão e até improvisação) mas porque ele não diz como os resolver. Pois é de soluções que passam pelo corpo que se trata: como encontrar o caminho ou as ligações para resolver aquele problema motor?. Esta é a parte dura e gratificante também - porque o que se aprende aprende-se. E sai-se sempre de uma formação com ele de modo diverso, melhor que antes - porque se resolveu mais coisas, e essas coisas inevitavelmente ficam connosco, diminuindo os nossos limites.

E tudo o que ele dá tem uma ligação directa com o trabalho do actor, tudo é uma imaginativa abordagem para se ultrapassar os limites, não abstractamente mas em patamares da nossa biomecânica - que não é como a do corredor, ou do ginasta, ou até do malbarista, mas lá vai beber. Sobretudo difere pois o actor mostra, não executa somente para um resultado eficiente. Mostra. E é nisto que Bogdanov insiste e se apoia.

Tuesday, May 24, 2011

O fim do pastoreio?

Há dias escrevi uma espécie de conclusão para o que andava fazendo. E esse género de implicação nas coisas de facto para mim acabou. Seja em aulas seja no blog (que afinal continua, mas de modo diferente).

Dou-vos um exemplo de como as coisas agora são impeditivas: tenho x alunos de teatro (a quem isto deveria dizer muito respeito), normalmente vêm à aula 50 ou 60% desses alunos. Cada um deles paga pelo curso tanto quanto pago eu por um doutoramento. Chegam muitas vezes às pinguinhas, atrasados, tanto para o início da aula, como depois do (enorme) intervalo, têm necessidade de sair mais cedo (sempre), ou às vezes de não vir ao uma segunda parte da aula. Apesar de cada um deles pagar tanto quanto pago eu por um doutoramento. No meio disto tudo é uma fantasia falar da capacidade indispensável do actor se conter, que é assim que começa a arte do actor, pois ele é o seu material.

No meio disto tudo ir falando de coisas e ir dando a experimentar coisas é uma evolução extraordinariamente lenta: recomeçando cada semana, às vezes recomeçando a cada parte da aula. Não admira que até agora ninguém tenha ido a Itália ter tido aulas com Bogdanov além de mim - ninguém está preparado, nem para aí virado. Essa é a escala em que trabalho. Estamos todos ainda no nível dos workshops ligeiros. A cada semana recomeço, uns centímetros mais adiante somente. É claro que com a taxa de atrasos e faltas em alguns casos é recomeçar do quase zero - porque algum aluno se lembrou de não aparecer quando as regras estavam a ser ou explicadas ou assimiladas.

A minha professora Polina Klimovitskaia dizia que dava aulas para quem lá estava. Eu tenho repetido essas mesmas palavras. Mas a verdade é que arrelia. Arrelia olhar para uma turma e estarem menos 7 ou 8 alunos. Arrelia ouvir o recado de que "fulano ou fulana vai chegar atrasado/a", arrelia explicar aos alunos que numa aula de quatro horas se por acaso não vêm à segunda parte não posso considerar a sua presença. Arrelia e a culpa de me arreliar é só minha. Arrelia mas a responsabilidade apesar de tudo não é dos pais, da escola ou da geração: é de cada um dos alunos. De cada um deles porque cada um é responsável pelos seus actos. E só encarando-os assim se pode ministrar um ensino de responsabilidade.

Agora voltando ao pastoreio: sei de facto que agora sei mais coisas do que quando comecei a dar aulas, sei de facto que agora sei muitas mais coisas do que quando comecei a estudar, sei até que sei mais coisas que muitos dos meus professores. Sei técnicas, conheço princípios e domino como criador muitas coisas. Isto adianta alguma coisa nos tempos que correm? Se vocês tiverem uma taxa de faltas de 50 ou 40% esse conhecimento, esse pastoreio vai por água abaixo porque na verdade se aprende em grupo fruto da responsabilidade individual. Porque a falta não é apenas do corpo, mas da atenção. Ou arranjo maneira de os alunos estarem vigorosamente envolvidos em alguma tarefa ou instala-se o tédio, os corpos começam a vergar-se, a querer sentar-se. Isto é primário. Aceito isto numa primeira aula, depois não.

Portanto o que sei (e disse que sei) serve às pinguinhas e às pinguinhas vamos avançando. Um dia pastoreio um grupo, no outro dia é outro grupo. Avanço pouquinho e eles avançam pouquinho, pagando 10 vezes mais que o que eu pago em Itália para eu avançar 10 vezes mais.

A vida é assim. Percebo que eu como criador sou uma coisa aparte do que sou como professor, que o que adquiri como actor serve só um pouquinho o que devo fazer adquirir como professor. Porque tudo tem que ser muito diluído. Como quando se dá algum bom nutriente a crianças se dilui de modo a ser mais digerível, ou agradável. Pouco a pouco. Porque não estão preparados.

Livro do Dia: Romance Teatral, de Mikail Bulgakov

Para quem conhece Bulgakov (Mikhail ou Mikail) de "Margarita e o Mestre" e se interessa por Stanislavski, Nemirovitch-Dantchenko e o Teatro de Arte de Moscovo este é o livro perfeito:




é de facto um pequeno romance, mas sabemos que não é completamente ficcional: aqui está uma descrição louca do interior do Teatro de Arte de Moscovo, das suas reuniões, processo de ensaios e toda uma hierarquia que Bulgakov tão bem soube descrever. O mesmo Bulgakov que lá esteve como dramaturgo (residente, diríamos agora) e mais tarde como director. Uma delícia. E em português.

Friday, May 20, 2011

"Pervertimento" de José Sanchis Sinisterra estreia hoje

Hoje e amanhã



Pervertimento
autor: José Sanchis Sinisterra
tradução: Rui Oliveira
direcção: Ana Saltão
interpretação: Ana Saltão, Nuno Meireles e Rui Oliveira
música e sonoplastia: Hugo Osga e João P. Jorge
operação luz e som: João P. Jorge
cenografia: Acaro
figurinos: Patrícia Afonso

duração aproximada: 1h 10min
bilhete: 2 euros

20 e 21 de Maio, Rua Álvares Cabral 372 Porto - Contagiarte - 22.30h

Livro do Dia: Il Servitore di Due Padroni, de Goldoni/Strehler

Um dia em Perugia (Itália) procurava numa pequena e óptima livraria qualquer coisa sobre Commedia dell´Arte e eis que encontro este volume da Einaudi: o video da produção do Piccolo Teatro di Milano, com encenação do Giorgio Strehler, e a peça em livro também.



o video:


o livro:

Thursday, May 19, 2011

Livro do Dia: Meyerholds Biomechanik, de Jörg Bochow

Este livro é um importante estudo sobre a Biomecânica, fala do seu aparecimento, dos seus princípios, tem listas das acções dos vários Ètudes, o seu autor estudou com Guennadi Bogdanov. Está publicado em alemão.



nota: a fotografia da capa é de Nikolai Kustov, o professor de Guennadi Bogdanov. Esta e outras fotografias de Kustov foram levadas da U.R.S.S. para os E.U.A. por Lee Strasberg, em circunstâncias que desconhecemos.

Tuesday, May 17, 2011

Livro do dia: L´Attore Biomeccanico

Para todos os que se interessam por Meierhold (ou Mejercho´d na transcrição italiana) e pela Biomecânica aqui está um texto que reúne o que Meierhold terá dito e escrito sobre a técnica. Não é muito (o que foi dito ou escrito por ele) e é disperso mas serve de referência*.



Vem com uma óptima introdução de Fausto Malcovati - um dos mais fortes impulsionadores da cultura teatral russa em Itália - e vem também com um estudo extenso de Nicolaj Pesocinskij (Nikolai Pesoschinski na nossa transcrição) sobre a história da Biomecânica sob Meierhold.

*Os textos existentes são dispersos, no entanto a Biomecânica existe e muito concreta, como? por um desenvolvimento dinâmico que não tem parado e que se transmite oralmente, como podemos observar pelo pormenor a que chega Guennadi Bogdanov.

Monday, May 9, 2011

Livro do Dia: Se Questo È Un Uomo

Para quem conhece o livro de Primo Levi "Se isto é um homem":



esta é a adaptação que o próprio Primo Levi e Pieralberto Marché fizeram do livro, e digo-vos aqui vemos como o teatro, porque as coisas acontecem à nossa frente, sem explicação, pode ser poderoso e perturbador.

Não tenho notícia de alguma vez ter sido feito em Portugal.

Friday, May 6, 2011

Um retorno com pouco entusiasmo mas sempre é algum: Livro do Dia: Stanislavski "Le mie regie"

Em Itália recentemente descubro esta precisosidade: as notas de encenação de Stanislavski das peças de Tchékhov.



Publicado em italiano, com o texto das peças na página esquerda e as notas na página direita.

Monday, May 2, 2011

O fim do pastoreio

Dou aulas regularmente há sete anos, pouco mais ou menos. Os sete anos que Jacob serviu de pastor, por amor a Raquel. Antes disso recebi-as. Fiz um curso de formação de actores quando a escola se estava a formar e com ela formei-me (ou formaram-me) também. Deu lastro, alguns nomes que fiquei a conhecer, duas e meia experiências positivas de crescimento e de resto uma gigantesca falência que procurei suprir em mim como actor nos anos que se lhe seguiram. Até aos dias de hoje.

Quando comecei a dar aulas perseguiu-me a ideia de fraude e desconsolo artistico e técnico que senti e sentia. Procurei literalmente dar o que tinha descoberto que não me tinham dado. Edipianamente procurava resolver a história, sendo atormentado por ela.

Sete anos passaram em que pastoreei muitas ovelhas, alunos candidatos a actores. Pastoreei muitas projecções de mim mesmo que começava a estudar. Foram estes anos todos e no meu balanço foram anos inúteis. Por duas razões:

porque eu estava errado cosmicamente, dado que a minha experiência passou e agora sou o que sou, com a minha construção

porque de facto, proporcionalmente, o que resultou destes anos de magistério não é conta justa

Neste esforço de pastor criei este blogue, que servia para falar de coisas num local onde ninguém fala de coisa nenhuma. Ninguém quer de facto saber. Itália, USA/UK, Espanha têm traduções do Stanislavski e do Meierhold e nós estamos na idade da pedra. Ninguém quer saber. Os meus alunos não sabem que há uma biblioteca na sua escola e aqui eu pertenço a outro mundo. Ninguém aqui faz ideia do que é training, nem há nenhum (outro) português que frequente as formações de Guennadi Bogdanov que, com sete ou catorze anos a mais depois da minha formação vos digo que é muito superior a qualquer escola de teatro e eu conheço-as. Nada resultou como deveria. As aulas sairam furadas: se há alunos que falsificam presenças então não vale a pena falar de ética no teatro ou de training, se há alunos que faltam e estão na rua ou no café ou no facebook, então eu estou e estive a dar pérolas a porcos. Com uma agravante: o sonho do pastor.

O pastor conduz, mas não é conduzido (- em termos gerais, é claro). Para que os outros se alimentem, ele está atento e procura - para os outros. Não para si. Durante estes anos fi-lo em deterimento de um actor: eu próprio.

Agora, que concluo pelo fracasso que é também o fim das ilusões, concluo que esta fase, este propósito, este edipianismo, a escola que eu carregava, o deterimento de mim como actor, a exigência e até o choque, acabaram.

Este blogue não terá continuação. É agora, para mim, tão inútil como o esforço e o ideal que lhe deram origem.

Esta posição em relação ao mundo (divulgação, promoção, estímulo, produção e reflexão sobre as coisas teatrais) acabou. Assim como acaba e se conclui em breve a minha posição ou função em relação à formação do actor. Pretendo fazer disto algo muito menos regular, e muito menos presente. Estou cansado de ser pastor, falei demais, dei demais, esperei demais. E esqueci-me de mim, neste processo. Este tempo agora, necessariamente, acabou. Dei aliás o que tinha arranjado para mim, e fiquei sem nada. Agora é juntar o que tenha e dar essa atenção a mim, como criador.

De textos teóricos conto concluir a tese de doutoramento em preparação sobre uma experiência exemplar por que passei.

De resto despeço-me da terra dos sonhos. Agora é a minha vez de concretizar plenamente o meu sonho. Já sem passados estranhos ou futuros ideiais, só o momento presente em que Jacob corre para Raquel.

Saturday, March 26, 2011

(A minha) Mensagem do Dia Mundial do Teatro

Acabei de vir de um workshop com Adriano Cortese. Foi hoje a última sessão de uma semana de experimentação.

O dia mundial do teatro é como estou agora: algo faz sentido, pois o teatro - que nos juntava ali - falou da vida e de quem somos.

Naquela sala falou-se e procurou-se o que nos importa, quais são as nossas qualidades e de como não controlarmos ou julgarmos as coisas ou os outros, antes aceitarmos e deixarmo-nos afectar por isso.

Nem procurar entreter, nem procurar ser ou respeitoso ou educado, ou importante ou o que quer que pensemos que é suposto ou aceitável sermos. Não procurar a aceitação ou agradar, antes procurar quem o outro é, procurar abrir ao outro, procurar estar num local perto de onde possamos ser atingidos, ou magoados, porque nos oferecemos ao risco.

Nem deixar congelar num sentimento ou emoção ou situação, nem procurar enganar os que estão connosco, mas deixar que as coisas mudem. Nem agarrar o que sabemos que está bem, nem (novamente) controlar tudo o que fazemos e dizemos, estrangulando-nos.

Aceitar que por vezes nos sentimos ridículos, humilhados e aceitar que isso não é necessariamente mau. Aceitar o que acontece porque pode - quem sabe? - até ser muito interessante. Aceitar que os outros nos julguem porque não há nada que possamos fazer quanto a isso, e então continuar, sabendo isso. Deixar que nos vejam aqui e agora como somos, sem guerrear, controlar, e sem pensar muito nisso. Porque o que importa não sou eu, mas o outro, que me ouve, que me vê, sobre o qual me importo. Só isso: importo-me. Tenho curiosidade sobre ele e importo-me.

Isto é sobre o teatro, mas podia muito bem ser sobre a vida, não é?

Thursday, March 17, 2011

Educação Artística versus Formação de Artistas: confusões em Expressão Dramática

Existe o ensino vocacionado e existem algumas opções. Existem escolas profissionais de ensino artistico ligadas ao teatro e existem também opções de Oficina de Expressão Dramática no 3º ciclo; existem escolas e cursos de ensino superior de Teatro e também existem unidades curriculares de Expressão Dramática em outros cursos, às vezes somente como opções.

O que se dá e pede num curso de teatro não pode ser a mesma coisa que num curso de educação básica. Pela simples razão de que um é formação de artistas e o outro é educação artística. Ou seja, sensibilização, vivência, esclarecimento, ferramentas mas essencialmente um aperitivo, com todas as boas consequências que se possa desejar.

O que pedimos de envolvimento e competência técnica a um aluno que escolheu ser actor e a um aluno que tem expressão dramática como educação artística é completamente diferente. Ou devia sê-lo.

Uns avaliam-se pela sua criação, pois são criadores treinados, os outros avaliam-se pela sua criatividade, pois é só isso que nos propusemos desenvolver.

Mas a verdade é que por esse país fora tem acontecido tal confusão que se pede a alunos que pela primeira vez têem algo relacionado com teatro que sejam grandes actores, que as suas vozes, os seus corpos e os seus espíritos sejam maleáveis e extraordinários frente a um espectador.

A um candidato a actor eu peço que se desenvolva para fazer teatro, a qualquer outro aluno eu peço que seja expressivo. Daí a necessidade de diferença entre Teatro e Expressão Dramática.

O que é afinal Expressão Dramática (vs. Teatro)?

Temos que ter uma noção que nos permita trabalhar. Mas a confusão de conceitos é muita.

Será que Expressão Dramática é o mesmo que Teatro?, ou será um tipo de Teatro? ou um tipo de Teatro aplicado à educação? Será uma diferença nos temas?, nas situações?, nos contextos?, nas idades?, nos objectivos?

Será que às vezes fazemos Expressão Dramática, e em outras vezes na mesma sala fazemos Teatro? Como os distinguir?, como nos localizar?

Propomos isto: Teatro é um processo com um resultado, esse resultado é apresentado frente a um espectador. Expressão Dramática tomêmo-la como apenas esse processo, sem o resultado, e sem a presença do expectador.

Sem resultado, sem produto, a Expressão Dramática encontra-se no domínio do Jogo, pois é livre e não produz nada, senão o gozo de jogar.

Monday, March 14, 2011

Paralelo Aluno-Professor

Não peço nada aos meus alunos que eu não possa ou esteja disposto a fazer. E peço muitas coisas.

Mas quando lhes peço a eles peço a mim também. Desde horas à atenção, à pesquisa, até ao divertimento, envolvimento, domínio e comunicação.

Peço que desliguem os telemóveis e desligo o meu. Peço para chegarem a horas e chego a horas eu. Peço que se entusiasmem com o difícil e entusiasmo-me eu. Peço que joguem e também jogo eu.

Dou o que peço, porque eu ali sou o exemplo, e não quero ser exemplo da excepção, do aristocrata. Peço o que eu como aluno dou, porque eu como professor continuo a receber aulas, e a estudar como é estar no papel de aluno. E não me refiro à metáfora de "sendo professor estou continuamente a aprender": frequento aulas, formações, workshops onde sou aluno, estudo-me como aluno, baixo as defesas de professor, aprendo - mais uma vez - como é ser aluno.

Portanto quando peço, sei o que peço, sei o que significa, sei o que custa, sei o que se ganha. Aproximadamente, é claro, mas não me baseio numa ideia fantasiada de quando acabei o curso há 15 anos.

Nota: e quando recebo aulas, não me comporto como um estafermo incontrolável mesmo que tenha uma vontade louca disso mesmo porque - e aqui entra a experiência/vivência de ser professor - lembro-me da maldição que isso é, e não o faço a ninguém porque não o admito de ninguém.

"Ser ou não ser um docente-artista" a partir de Taís Ferreira

A minha vizinha destas andanças no outro lado do Atlântico Taís Ferreira pergunta Ser ou não ser um docente-artista?. Coloca essas questões num interessante artigo que mapeia a realidade brasileira em cursos de teatro.

Olhemos a questão de um outro ponto de vista:

Há alguma vantagem em se ser artista e docente?

Ou, pelo contrário, será melhor sermos mestres na pedagogia, didáctica, até mesmo políticas educativas, ciências da educação, em exclusivo?

Ensinamos algo (ou promovemos a sua aprendizagem) de um skill, de uma habilidade expressiva, de uma arte. Os alunos querem ser felizes, proficientes, competentes nisso. Pedem-nos respostas.

Podemos nós dar respostas sobre o teatro se o não fazemos?

Wednesday, March 9, 2011

Geração à rasca: participar ou não na manifestação

Por volta de 1994 um grande grupo de estudantes manifestou-se frente à Assembleia da República. As propinas no ensino superior cresciam a olhos vistos. Na manifestação um rapaz mostrou o rabo. O director de um jornal que publicou fotografias desse rabo sintetizou esses estudantes (e a geração a que pertenciam) como "Geração Rasca". Era a primeira geração pós-25 de Abril.

Uma geração que tinha podido estudar e especializar-se, a quem eram abertas essas portas e muitas expectativas. Nascidos na década de 70 eram muito novos para ter vivido a ditadura, mas crescidos o suficiente para acompanhar Verão Quente, Camarate, Eanes, Auto-estradas, Centros Comerciais, Televisões e a Europa.

Essa geração, que mostrara o rabo, talvez nos anos 90 mal suspeitasse que lhe mostrariam o rabo também. Sucessivamente. A Universidade sobre a qual protestavam acabou quando os cursos foram concluídos, chegou a entrada no mercado de trabalho. Cerca de vinte anos passaram dessa manifestação e outra se convoca agora, para dia 12, da "Geração à rasca". Serão talvez os mesmos e os outros que vieram depois. Justifica-se esta manifestação?

Vou dar-vos uma medida pessoal do estado das coisas: entre as pessoas que conheço da minha idade ou semelhantes, 90% estão a recibo verde ou contratos sazonais, estão a trabalhar em áreas que não foram as da sua formação, vêem-se à rasca para pagar a segurança social cujo escalão mais baixo anda pelos cento e muitos euros. Muitos estão desempregados, apesar de todos terem formações superiores em diversas áreas e extensos currículos. Não têm direito a subsídio de desemprego, reforma, 13º mês, e - parece às vezes - sequer direito ao trabalho. São os precários.

Há uma geração atrás, aos 30, 35, 38 anos, as pessoas não andavam aos tombos assim. Vemos pela geração dos nossos pais que teriam começado pouco antes a assentar num emprego, talvez mal pago, talvez tremido, talvez duro, mas regular. As situações que vejo agora são mal pagas, tremidas, duras por vezes e sempre, mas sempre inconstantes.

Outra medida pessoal: o meu cv tem 8 páginas de actividade artística, docente e de formação recebida, estou a meio de um doutoramento, e disseram-me recentemente, nos dois sítios onde dou aulas, que se calhar "convém arranjar outra coisa". Nada importa, nada importou, os meus amigos têm tido como preocupação que país estrangeiro os pode acolher com trabalho aos trinta e muitos. Por uma série de motivos inexplicáveis, nós, que devíamos atingir agora o pico da nossa carreira, estamos constantemente a recomeçá-la.

Sócrates disse que "os jovens são os primeiros a ser afectados pela crise económica", ao responder ao episódio de Viseu. A tal crise económica começou há muito tempo para nós. Começou quando quisemos entrar no mercado de trabalho.

Este sábado muita gente, de muito lado, vai dizer que afinal existe, apesar de isto ser constantemente desmentido pela segurança social, pelas estatísticas do desemprego, pelas finanças, pelos empregadores e até mesmo pelo pudor.

Portanto, participar ou não na manifestação?

Tuesday, March 8, 2011

Tirar relógio, desligar telemóveis nas aulas

Porquê isto?

Porque serve - sem que se saiba sempre - para criar um ambiente próprio na aula muito semelhante ao que nos diz Roger Caillois sobre o jogo: que tem uma realidade própria, um espaço e um tempo diferente.

No jogo o tempo passa de outra maneira, não medível ou comparável com o tempo dos relógios. Queremos exactamente isso para uma aula.

Assim como queremos que se abstraiam do mundo exterior. O telemóvel desligado não é telemóvel em silêncio, desligá-lo significa desligar esse mundo que pode a qualquer momento contactar-nos. Significa parar. Precisamos nas aulas de parar, e começar de novo.

Um espaço diferente, um tempo diferente, corte de preocupações (ou outras ocupações) e algo de diferente pode nascer.

O que vejo no ginásio III

Vejo galos, gralhas e galinhas. Eles passeiam-se, elas falam. Tudo intervalado com algum exercício, para não parecer mal. É o desporto social.

O que vejo no ginásio II

Apesar de todas as máquinas, passadeiras, elípticos isto e aquilo, nunca encontrei ninguém a subir (ou a descer) as escadas até esse quinto piso.

O que vejo no ginásio I

Vejo rapaziada a inchar os braços até o terem mais espessos que as pernas (que eles não incham) e, com tanta máquina ali, sem saber andar, atirando para a frente as magras pernitas.

Monday, March 7, 2011

Improvisar aulas

Deve um professor improvisar as suas aulas?
Essa improvisação pode eventualmente ser completa?

Clive Barker dizia jogar nas suas aulas no início um único jogo mexido para ver como se estava e depois improvisava a partir das necessidades observadas dos alunos.

Há quem prepare jogo + jogo + exercício + exercício. Há quem tenha tópicos. Há quem seja caótico. Há quem fale demais. Há quem diga frontalmente O que havemos de fazer... mmmm....

Conheço improvisações em aulas teóricas - de exposição, conheço improvisações em aulas práticas de exercícios meticulosos. Conheço improvisadores totais, próximos do caos. Conheço pessoas que conhecem tão bem o que ensinam que o fazem adaptando em quase qualquer circunstância, espaço ou grupo. Mas para isso, como Barker, observam rigorosamente o que vai acontecendo, têm metas, ideiais e medidas precisas do que pretendem. E adaptam, adaptam, adaptam. Deitam fora esquemas, modificam, personalizam as aulas para aquele grupo.

Duas aulas iguais não fazem sentido. Não há dois grupos, nem dois dias iguais.

Daí a necessidade da imprevisibilidade.

(nota: à conta de imprevistos que observei, e aceitei sem lhes fechar os olhos, modifiquei exercícios, inventei outros, em suma melhorei as aulas que dava)

Jogo e o acordo ortográfico: razões para uma resistência

No Jogo o que permite que se jogue é o assentimento e reconhecimento colectivo das mesmas regras. Se alguém discorda de uma regras a meio do jogo, isso porá um fim ao prazer e dará origem à discussão, fora de jogo. Se alguém diz (ou mesmo pensa) isto é estúpido isso estilhaça o jogo, e interromperá tudo.

O que se passa com o recente acordo ortogrático assemelha-se a isto: as regras são alteradas mas há jogadores-falantes que pensam ser estúpidas as alterações, ou as novas regras; pensam e dizem isto é estúpido, e não conseguem jogar, pois não conseguem aceitar as regras. Como não há jogo que se jogue obrigado, há quem jogue a este e há quem o não faça. Porque se acha as regras estúpidas. Independentemente de se ser professor, editor, ou etc. como precipitadamente se tem dito. Se as regras são consideradas estúpidas, ou sem sentido, ou extemporâneas, não há senão a obrigação para nos fazer jogar. E a língua é um jogo demasiadamente próximo, constante e íntimo para se alterar à revelia.

A imprevisibilidade da aula para o estudante

Uma aula deve ser imprevisível? Ou pelo contrário o que lá se passa e passará deve ser sempre o mesmo, cumprir os mesmos passos, até mesmo os mesmos exercícios?

Deverá ser sempre algo completamente novo ou algo de completamente conhecido?

O primeiro inquieta e o segundo aborrece.

Mas, como o jogo que é de resultado imprevisível e daí o nosso interesse nele, como a vida que é imprevisível, também a aula deve sê-lo, mas talvez com variações, com alterações de ordem e formas.

Dou um exemplo: para aquecimento eu aplico muito o jogo da apanhada (ou caçadinhas, ou pega-pega, ou toca e foge...), na primeira vez é desconhecido naquele contexto e ganha popularidade por isso, na segunda é dominado, na terceira é previsível e os jogadores-alunos já sabem ao que vão e o jogo torna-se inútil, já não se movem entusiasticamente, já não serve. Daí ter que apostar em regras novas. E aí descobre-se uma imprevisibilidade dentro do que já é conhecido.

Dou outro exemplo: frequento aulas num ginásio da actividade x, à terceira aula repito a mesma estrutura de exercícios; à quarta deixo de ir porque é sempre a mesma coisa, o nível de dificuldade não é suficiente, a minha curiosidade sobre a actividade diminuiu até zero e não há gozo - sem gozo não há jogo, e sem jogo o que resta é o trabalho. E para trabalho há o trabalho.

Wednesday, March 2, 2011

O que estou a estudar

Estou a estudar como despertar a vontade de fazer teatro, por experiências positivas, num contexto em que não exista crítica interna, só fruição.

Estou a consegui-lo com o jogo, em que todos jogam, menos eu, que me torno invisível e não falo senão no início e no fim.

Tenho despoletado improvisações que duram, sem que intervenha, 20 a 30 minutos, em média. Isto acontece, no meu entender, porque é um jogo e funciona por si. Procuro não ser necessário senão nas instruções iniciais, que são tarefas.

As tarefas rapidamente se metamorfoseiam em acção e estas em dados que surgem, imprevisíveis.

Não julgo as improvisações, nem estimulo nenhum género de juízo, muito menos sobre a forma.

Não digo o que fazer, senão como tarefa, e - não sendo jogador - demito-me aí de qualquer outra participação.

Alimenta esta estrutura de 3 pontos cruciais:

- o que é o jogo (segundo Roger Caillois)
- a existência de um desejo de fazer teatro (segundo Isabel Alves Costa)
- como despertar a criatividade do actor (segundo Stanislavski)

Então uso a estrutura do jogo, com regras que são especificações da ficção em que se está, para despoletar momentos que só funcionarão enquanto se tiver vontade de brincar ao faz-de-conta, que é o princípio do desejo de teatro.

Tenho visto coisas inesperadas, comportamentos bizarros, e riso, muito riso. Tenho visto melhor teatro (acidental teatro que vejo por acidente pois não é feito senão para quem o joga) melhor que na maior parte dos palcos. Tenho visto recuar o receio de fazer coisas. E estou grato a 3 circunstâncias:

- dar aulas de Jogo e Expressão Dramática
- ter encontrado acidentalmente o livro de Clive Barker (Theatre Games)
- ter lido O Desejo de Teatro, da Isabel Alves Costa

e mais grato ainda estou aos meus alunos, dos vários locais e contextos, que me têm deixado estar ali, sem me considerarem um intruso.

Reforço positivo

O reforço positivo é uma boa arma: dizer a alguém muito bem pode mover o aluno (ou o actor) a fazer muito melhor.

Mas é uma arma que tem que ser bem usada. Dizer somente e repetidamente muito bem não levará ninguém a - movido pelo entusiasmo - fazer melhor, ou continuar assim.

Antes eu não promovia nenhum reforço positivo. Houve alturas em que só exigia. Agora dou reforço positivo, digo muito bem, digo isso foi bom, digo boa!, digo parabéns!, digo estou impressionado, digo não contava com isto, digo que foi divertido, digo que foi engraçado. E rio-me, e sorrio, e estou com os alunos (ou actores) a dar reforço positivo dizendo, se possível, com os olhos estás a ir fantasticamente.

E lembro-me do espisódio com Meierhold:
"Muito bem! Muito bem!
Eu digo muito bem àquele actor mas não está nada bem, até está muito mal. Mas quando ele ouve o meu muito bem ele acredita que está muito bem e faz melhor."

O cinzento aluno de teatro

O aluno cinzento é o aluno que não se percebe porque está ali, cruza os braços, os olhos não abrem, parece estar sempre ora entediado ora esperando. É o aluno cinzento. Mais que o aluno agitado este é o mais problemático pois parece desligado. Em off. E como se trabalha com um aluno em off, em off de movimento, de emplogamento, de ideias, de desejo aparente de fazer não só teatro mas o que seja?

É um problema. O aluno cinzento não parece ter lugar ali, aparenta estar confuso, precisar de um grande empurrão, de ser convencido a participar, mover ou falar.

O aluno cinzento parece distraído, destituído de capacidades básicas sociais de estar e falar. O aluno cinzento parece ter entrado forçado ou por engano na porta da sala de aula de teatro.

O aluno cinzento não joga, deixa-se estar.
O aluno cinzento sorri de nervoso porque se encontra numa situação que não desejava e diz-nos, com todos os signos possíveis (apatia, braços cruzados, inércia) para não desejarmos a sua presença também.

Friday, February 18, 2011

O Mau Espectador

O mau espectador é o contrário do bom espectador: é um mau interlocutor. Fora outras apreciações de inteligência e compreensão de rituais, é alguém que não reune em si o mínimo de educação para estar frente a outra pessoa que lhe fala. O mau espectador não sabe ouvir, ou estar calado, não sabe dar o seu olhar. E muitas vezes não sabe desligar o telemóvel, a boca ou as nervosas mãos. O mau espectador não devia estar ali, é um acidente, é muito provalmente um apanhado desprevenido, ou um snob que acha cultural estar frente a um actor.

Um mau espectador é um desperdício. Fazemos coisas para ele com um misto de piedade e repugnância. O mau espectador mete nojo e, quanto mais fundo entramos em nós para o dar ao outro, mais nojo nos mete pois é um desperdício.

Já vi maus espectadores entre tudo que é ser humano e, digo-vos, tive melhores ouvidos e atenção entre rufias que entre pretensiosos promotores culturais, em que a mais elementar educação falta, a educação do silêncio.

Bares e sua relação perigosa com o teatro

Um bar, mesmo que esteja disfarçado de outra coisa, como uma associação cultural, é um perigo para um actor que queira fazer teatro. Os bares querem facturar e fazem-no vendendo bebidas e produtos de bar. Onde há cervejas não pode haver teatro. É uma lei incontornável. A super-bock faz um tilim na caixa-registadora que as palavras do actor não fazem. Frente ao lucro de uma bebida vendida tudo se subalterniza, até a dignidade:

- num conhecido bar situado no Castêlo da Maia fui fazer um espectáculo, como os espectadores fumavam na sala pedi ao fulano gerente que o não fizessem pois perdera a voz durante a representação à conta disso, mas não se podia pedir isso aos clientes, disse o rotundo gerente porque senão não iriam ver

- num outro bar situado na Nossa Senhora de Fátima, onde fui dizer poesia (várias vezes), a funcionária que atendia as mesas fazia toc toc com os seus saltos servidno, perguntando o que cada um queria consumir, quando a razão de as pessoas estarem ali era tapada pela sua figura indo e vindo.

É claro que este assunto já o tinha abordado, mas repito-me pois repetem-se as indignidades: onde quer que haja uma cerveja não pode haver arte.

O actor-produtor

A produção é outro domínio que o do actor. Por muitas razões (e todas elas económicas) muitos actores tornam-se produtores, acabando por passar muito mais tempo a uma secretária que num palco. Esta é a morte de um actor:

- o raciocinio, a relação de poder com os outros, as coisas, e os acontecimentos que são necessários para a produção são completamenta e diametralmente diferentes do trabalho do actor. Num dá-se o corpo e no outro dá-se negociação. Um é arte e o outro não.

- é uma tentação fazê-lo e ficar na produção, envolve decisões e muito menos ritual e desapego que o trabalho do actor. E não é uma arte.


Acontece que muitos actores se tornam produtores a tempo inteiro. Menos um actor. Mais um telefone manejado habilmente, mais alguém que faz folhas de trabalho e adeus sonhos de criação.

Portanto, se o meu caro leitor for por acaso um actor em vias de produzir por exemplo a sua peça:
os cartazes, os contactos, o press-release, os convites, o aluguer do material, do espaço NÃO vão fazer o espectáculo, NÃO vão criar. Só lá estão para ajudar.

Fuja da produção, feche o computador e vá criar.

O Bom Espectador

Precisamos de bons espectadores: e o que é um bom espectador?

É um bom interlocutor. Não fala mas acompanha, assenta ou surpreende-se e está lá para isso, o seu peito está tão aberto quanto o nosso (dos actores); não move mas apoia. O seu olhar não descola e os seus ouvidos estão lá para nós. Quer ser tocado quando queremos (os actores) tocar. Ou seja, quer que o seu coração seja mexido, que tenha um estremecimento, enquanto nós (os actores) queremos estremecer, queremos que a nossa arte comova alguém, e que esse alguém esteja lá para ser comovido.

Com bons espectadores fazemos bons momentos, por isso agradeço há algum tempo aos espectadores que estão ali a receber o que estou a fazer. Agradeço aos que estão de facto a receber. Aos outros faço-lhes uma figa.

Friday, January 28, 2011

Abstenção, absentismo e conferências de teatro e cinema

A abstenção nesta eleição recente andou pelos 50%, ou seja houve metade de eleitores que não votaram. Metade de adultos, inscritos que podem votar e não foram.

Estiveram ausentes. Talvez não lhes interessasse, talvez nem concordassem com algo ou com tudo, talvez não quisessem ir votar ou nem pudessem naquele mesmo momento. Pouco provável que não soubessem.

O mesmo acontece com outras iniciativas, menos políticas mas igualmente públicas: o departamente de Teatro e Cinema da ESAP tem promovido conferências de Teatro e Cinema, à razão de uma por semana.

Dado que há cursos de Teatro e Cinema, isto justifica-se não só para dentro como para fora da escola.

Apesar dos docentes ou dos seus convidados que vão falar de assuntos interessantes e pouco expostos como a presença do cinema em António Lobo Antunes, a relação da marioneta com a figura dos deuses, até a história da própria ESAP, a música no teatro ou o meu próprio tema, o que se verifica é uma redundante desilusão.

Ninguém aparece. Nem alunos, nem professores, nem a sociedade civil (salvo entusiasmadas e irregulares excepções e regulares apenas 2 professores, uma aluna e uma cidadã interessada, contas precisas). O balanço é: ninguém quer saber. Um inacreditável e persistente desinteresse.

Postas as coisas na mesa não é estranha a abstenção na recente eleição. Não só não há réstea de consciência política e de que votar é um acto político, como não o há sobre ir e apoiar conferências (gratuitas, informadas, uma pedrada no charco). Não há nem consciência, nem cultura, nem nada.

Está toda a gente ausente. É um país em forma de absentismo.

Friday, January 7, 2011

Aulas de graça e saídas à francesa

Recentemente comecei uma formação numa instituição da cidade do Porto: requeria-se que se inscrevessem as pessoas, que houvesse um mínimo de x alunos. Fez-se.

Na 1ª aula
y pessoas apesar de inscritas nunca apareceram
z pessoas fizeram a aula e sem pagar a mensalidade consideraram-na "à experiência" para depois dizerem que não tinham tempo, afinal de contas.

Já eu pensava que isto era um atropelo a roçar a estupidez quando alguns alunos deixam de aparecer, como quem frequenta um ginásio cujas máquinas e jacuzzi continuarão funcionando mesmo que se não diga nada.

O primeiro caso é o das velhas no supermercado a experimentarem as uvas antes de as comprar, o segundo é uma saída à francesa. A dos cobardes*.


*Já frequentei clubes, ginásios, escolas e todo o tipo de actividades: não só nunca fui fazer aulas grátis que o não fossem, também não me esqueci de pagar ou de avisar que não haveria de continuar e muito menos aleguei ser tão mau em contas que não pudesse prever o tempo que me tomaria a actividade. Ao menos que se diga não poder fazer as aulas por causa de febre tifóide ou de se ser raptado por alienígenas.

 

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